Gestão

Abramge cria “Custômetro” Custo da Saúde Suplementar

Por Roberta Massa | 22.03.2016 | Sem comentários

Ferramenta mostra, em tempo real, desembolso do setor. Especialistas veem estratégia para aumento

Os custos com a saúde suplementar no país vão atingir R$ 22,7 bilhões este ano. É o que informa o “Custômetro”, nova ferramenta on-line lançada pela Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) — que representa empresas privadas de assistência à saúde do segmento de medicina de grupo — divulgada em primeira mão pela “Defesa do Consumidor”.

Segundo a entidade, o objetivo é dar transparência aos valores investidos pelo setor. Já para especialistas em saúde e defesa do consumidor, o instrumento é mais uma ferramenta do segmento para pressionar por reajustes maiores dos planos de saúde, no cabo de guerra travado entre empresas e usuários.

Como um impostômetro

A exemplo do “Impostômetro”, criado pelas associações comerciais paulistas, o instrumento permitirá acompanhar, em tempo real, os valores desembolsados pelas operadoras para manter os serviços aos cerca de 50 milhões de beneficiários. A cada R$ 4 mil desembolsados, o placar muda.

custometro

— A finalidade é mostrar como estamos gastando com o cliente. Durante anos, tivemos uma relação muito desgastada, e isso precisa melhorar. A informação e, principalmente, a sua transparência é primordial em todos os sentidos — afirma Pedro Ramos, diretor da Abramge.

Para a professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ Ligia Bahia, a intenção está distante de ser uma melhora de relacionamento, mas será interessante ver o que virá:

— A intenção é clara: querem justificar aumentos das mensalidades mediante o argumento de que os custos assistenciais sobem mais do que a inflação. Não é que eles estejam errados, nos países ricos isso acontece em função da conjugação de envelhecimento populacional e inovações tecnológicas.

No Brasil, porém, não se sabe, pois não existem informações confiáveis. Os empresários se acostumaram a chutar. O que seria útil saber é o gasto por destinação de cada plano e de cada empresa.

Medicina bem feita é barata

Mais contundente, Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), acredita que será impossível o consumidor verificar se aquele custo é o que realmente foi arcado pela operadora, ressaltando que há ganhos em negociações de escala, por exemplo, que não podem ser avaliados pelo usuário:

— Trata-se de uma pseudoinformação, cujo propósito único é o de justificar mais aumentos dos planos, mais benesses fiscais às operadoras e mais calotes ao SUS. É como pedir à raposa para contar os ovos das galinhas.

Num primeiro momento, o consumidor terá acesso apenas ao montante total aplicado pelo setor, mas a ideia, antecipa o diretor da Abramge, é abrir os dados sobre os gastos, por procedimentos e operadoras. Com a divulgação, admite Ramos, busca-se aprofundar a discussão sobre quais são os principais motivos da constante elevação das despesas assistenciais e o impacto no setor. Segundo o Mapa Assistencial da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), 43,3% das despesas são de internações; 33,6%, de consultas; 18,5%, de exames complementares; e 4,6%, de terapias. Mas o mais importante, diz o executivo da Abramge, é conscientizar os usuários de que 25% do que se gasta, seja no setor privado ou no público, são desperdício, por falta de coordenação no atendimento, tratamentos excessivos, fraudes, corrupção e má gestão:

— Pretendemos alertar o cliente para que use o plano com bom senso. Se marcou a consulta, compareça ou avise que não vai. O índice de absenteísmo nos consultórios, clínicas e hospitais é de 20% a 30%. Isso custa dinheiro, o que acaba pesando para os dois lados. Um terço do montante gasto poderia estar sendo economizado se não houvesse o absenteísmo. Se atingirmos a meta de acabar com o desperdício, quem ganha é o consumidor.

Ramos chama atenção ainda para o fato de que, a cada cem reais gastos na saúde suplementar, R$ 85 vão para os custos assistenciais, ou seja, 85%. Os 15% restantes da receita são divididos entre despesas administrativas e comerciais, taxas e impostos. Ele admite que é impossível falar em custos sem mencionar reajuste de preços, o que pode fazer com que mais consumidores deixem esse mercado: só no ano passado, um milhão de pessoas deixaram de ser beneficiárias de planos de saúde. Este ano, ele estima perda semelhante, já que muitos brasileiros já não conseguem pagar o custo das mensalidades. Mesmo assim, o diretor da Abramge insiste na necessidade de reajustes maiores:

— Nos últimos dez anos, o governo concedeu reajustes aquém da inflação médica, hoje em torno de 17%. Enquanto a inflação era de 10%, davam 5%. Se os reajustes fossem equiparados, estaria tudo equilibrado. Com a atual receita, sem combater o desperdício, não tem como o setor passar pela crise e voltar a crescer. Não há um cálculo atuarial para ver como o aumento do rol da ANS, por exemplo, impacta as operadoras. Aumentam os benefícios, e o que vemos são empresas quebrando sistematicamente.

Longe de uma solução

Para a economista do Idec Ione Amorim, o que é preciso é uma fiscalização mais rigorosa, regulação das atividades entre operadoras e prestadoras de serviço e maior transparência nos repasses de recursos com responsabilidade fiscal e jurídica:

— Expor o custo médio não corrige distorções que encarecem serviços, servem de porta de entrada para superfaturamento e precarização dos procedimentos e resultam em baixa qualidade de serviços, com custos crescentes para o usuário.

Na avaliação do médico cardiologista Luiz Roberto Londres, dono da Clínica São Vicente e um dos fundadores do Observatório da Saúde — site em que se discutem práticas consideradas antiéticas na área médica e se mostram esforços para reconstruir a saúde pública — a iniciativa da Abramge está longe de atacar a causa da elevação dos custos da saúde e de priorizar a qualidade:

— A medicina bem feita é barata. Noventa por cento dos diagnósticos se fecham com a conversa, exames são feitos para comprovação. Se fosse adotado um pensamento eminentemente ético e social, os custos cairiam, e os pacientes ficariam mais satisfeitos. A medicina foi deturpada.

Em nota, a ANS esclarece que a metodologia para calcular o índice máximo de reajuste dos planos individuais considera a média ponderada dos percentuais aplicados aos planos coletivos com mais de 30 beneficiários. O objetivo, diz a agência, é dar ao usuário de plano individual as vantagens obtidas nos acordos feitos pelos planos coletivos, que têm maior poder na negociação nos aumentos.

‘Caixa-preta da saúde’

Diretora executiva da Aceso Global, organização que busca o fortalecimento dos sistemas de saúde nos mercados emergentes e países em desenvolvimento, a americana Maureen Lewis acredita que o Brasil tem lições a tirar do programa de reforma da saúde dos EUA, o Obamacare, e diz que informação é uma peça-chave para melhorar a eficiência da saúde suplementar.

A saúde suplementar no Brasil vive um momento de crise. Como a senhora vê o segmento no país?

O Brasil está no meio de uma recessão econômica, o que coloca pressão sobre os cidadãos e os prestadores de serviços. No lado do fornecedor, eles estão perdendo inscritos — isso porque as famílias estão ganhando menos dinheiro ou perdendo emprego. Isso afeta a rentabilidade dos serviços de saúde.

O setor tem citado muito o modelo americano como inspiração para uma mudança no país. Qual a sua avaliação?

Os EUA têm tido muitos problemas em dar a todos acesso aos cuidados de saúde. Não há um SUS, apenas um seguro para os mais pobres e aposentados. Por outro lado, em muitos aspectos, o Brasil se assemelha ao sistema de saúde americano, uma vez que é fragmentado: existem vários pagadores e provedores, e a divisão público-privada no financiamento é quase a mesma. Algumas das reformas do Obamacare, como a promoção de maior qualidade, maior eficiência e menores custos, são altamente relevantes para o Brasil. Isso significa ter melhores dados sobre muitos aspectos. Sem mais e melhores dados e um acompanhamento constante, é difícil saber o que acontece na caixa-preta da saúde. É uma lição importante dos EUA. Sem os dados, o Obamacare não poderia ter criado os incentivos para reduzir custos e aumentar a qualidade.

Qual seria o melhor caminho para a saúde suplementar no Brasil?

É difícil dizer. Há muitas maneiras de melhorar a eficiência, com mais assistência ambulatorial, menos internações e ênfase em prevenção. A melhor forma de incentivar maior eficiência e qualidade é o contribuinte ter mais informações sobre onde os custos são elevados e dar incentivos aos prestadores.

Fonte: Abramge – 22.03.2016

 

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