Médicos usam sites de busca e redes sociais para mapear doenças
Por Roberta Massa | 04.06.2016 | Sem comentáriosToda vez que uma pessoa faz uma pesquisa na internet, acessa um site de rede social, ou simplesmente usa seu celular, uma ou mais informações eletrônicas são geradas.
Essa avalanche de dados faz muita gente temer pela sua privacidade; “Big Brother”, o “Grande Irmão” criado pelo escritor inglês George Orwell no romance “1984”, “está de olho em você”.
Mas há um lado positivo no uso xereta desses “grandes dados” (“big data”) que se tornou uma nova linha de pesquisa em saúde pública: a epidemiologia digital, o uso de informações eletrônicas para mapear surtos e epidemias de doenças infecciosas, ou mesmo ajudar a diagnosticá-las e tratá-las.
Três exemplos vêm de estudos bem recentes sobre Aids, cólera e catapora, três doenças infecciosas com modos de transmissão distintos, mas que deixam pistas eletrônicas se o cientista-detetive achar um método para identificá-las.
Um estudo com dados do site Google Trends permitiu descobrir o número de pessoas interessadas em informações sobre catapora. Dados de 11 anos de pesquisas de 36 países, incluindo o Brasil, se correlacionaram com o aumento de casos regionais e sazonais da doença.
“Estudos de transmissão de doenças a nível global e o sucesso das intervenções são limitados pela disponibilidade de dados. Vigilância da doença é um grande obstáculo no esforço global para melhorar a saúde pública e é dificultada pela subnotificação e barreiras linguísticas”, escreveram os autores na revista científica “PNAS”.
Para eles, a “epidemiologia digital” é um instrumento de fácil acesso que pode ser usado para complementar a vigilância tradicional de doenças. “E pode ser a única fonte de dados prontamente disponível para o estudo de doenças de transmissão sazonal não notificáveis em certos casos”, adicionam.
A tecnologia também pode ajudar a prever fluxos de pessoas e o espalhamento de cólera (doença causada por uma bactéria e transmitida pelo contato com água ou comida contaminadas). A conclusão é de estudo feito no Senegal, país da África Ocidental onde uma peregrinação religiosa faz muitas pessoas de repente conviverem em locais de péssima higiene.
Pesquisadores conseguiram estimar os fluxos diários da população em 2013, que foram incorporados em um modelo do surto de cólera local em 2005. Com isso, foi possível demonstrar como depois do auge do surto os peregrinos espalharam a doença pelo país.
Já o estudo sobre Aids, publicado na revista “Sexually Transmitted Infections”, envolveu a participação de homossexuais que visitam sites de relacionamento e páginas no Facebook de revistas gays.
Os sites incluíram links para questionários sobre comportamento sexual e a opção de pedir anonimamente um kit de detecção do vírus causador da doença.
A princípio se usou apenas um kit de detecção por fluido oral, depois por sangue. O estudo se focou primeiro em Londres e depois foi estendido ao resto do Reino Unido.
Resumindo: a abordagem conseguiu levar a novos diagnósticos de pessoas infectadas. Ainda que só uma parte tenha requisitado o teste (cerca de 10 mil de 66 mil usuários), a ação foi considerada positiva pelos pesquisadores, levando-se em conta que muitos gays não fazem o teste por preocupações com privacidade, estigma ou o simples medo de agulhas.
Fonte: Folha: 04.06.2016