Erros de medicação devem ser combatidos com participação multidisciplinar e redesenhos de processos
Por Roberta Massa | 09.06.2016 | Sem comentáriosO gerenciamento dos processos relacionados a medicamentos em uma instituição de saúde é uma tarefa complexa que abrange várias etapas. Essa responsabilidade deve ser compartilhada com todos os profissionais de saúde que prestam assistência ao paciente: médicos, farmacêuticos, enfermeiros, técnicos de farmácia, técnicos de enfermagem, inclusive, o próprio paciente.
Todos devem ser capazes de desenvolver e executar suas funções em seus locais de atuação, de forma consistente, tanto no cuidado aos pacientes internados, como também aos pacientes externos ou em unidades especializadas.
Desde o armazenamento e dispensação até à administração do medicamento, vários processos estão interligados e precisam ser executados adequadamente para garantir a qualidade e a segurança do cuidado.
É preciso atenção redobrada, pois erros de medicação podem ocorrer em qualquer dos processos que fazem parte do circuito de medicamentos (prescrição, transcrição, dispensação, preparação e administração).
Apesar de todo esforço empreendido na busca da segurança do paciente, os erros de medicação e suas consequências representam um grave problema e um grande desafio a ser vencido no Brasil e em todo o mundo.
Estudos apontam para a incidência de danos causados aos pacientes em decorrência da não observação de processos padronizados (Relatório “To Err is human: building a saferhealthcare system, Kohn, Corrigan, Donaldson, 2000).
Recentemente, a imprensa notificou um fato ocorrido em hospital do Paraná em que cerca de 50 servidores do hospital receberam doses de insulina no lugar de vacina contra o vírus H1N1, após a enfermeira confundir as ampolas.
Várias pessoas foram internadas por apresentarem reações à insulina. A falha foi identificada pela própria servidora logo após a aplicação. A enfermeira está grávida e também aplicou insulina nela própria, por engano.
A administração do hospital diz que a servidora afirmou que se confundiu com as embalagens, que são parecidas. Um processo administrativo foi aberto para investigar as responsabilidades.
Casos como esse têm ocorrido com frequência. Como podemos evitar incidentes dessa natureza? Que ações podem ser implantadas para impedir a ocorrência de erros ou diminuir a sua probabilidade?
O Manual de Acreditação da Joint Commission International (JCI), em seu primeiro capítulo apresenta as Metas Internacionais de Segurança do Paciente. A Meta 3 apresenta as diretrizes para melhorar a segurança dos medicamentos de alta vigilância, considerados como aqueles que podem causar danos mais graves ao paciente quando administrados por engano.
Nesse grupo estão incluídos os anticoagulantes, quimioterápicos, antiglicemiantes, hipoglicemiantes, eletrólitos concentrados e também medicamentos com embalagem semelhante e/ou nomes que soam parecidos (medicamentos LASA – look alike/sound alike).
Esses medicamentos devem receber um tratamento especial para o seu uso seguro, pois a confusão de nomes e embalagens é uma causa comum de erros de medicação no mundo inteiro. A administração incorreta e equivocada de eletrólitos concentrados tem sido também um grande problema, principalmente em situações de emergência e no centro cirúrgico.
A recomendação da JCI é que o hospital, através de suas lideranças, defina a sua lista de medicamentos de alta vigilância e implante estratégias para o seu uso seguro, considerando o risco específico de cada medicamento. As listas desses medicamentos e orientações específicas podem ser encontradas na literatura ou através da OMS (Organização Mundial de Saúde) ou ISMP (Instituto para Práticas Seguras de Medicação).
As orientações e diretrizes devem incluir os processos específicos de armazenamento, prescrição, preparação, administração ou monitoramento. Ou seja, o local de armazenamento e a etiquetagem desses medicamentos devem ser diferenciados, de forma padronizada e consistente em todo o hospital, conforme definido na política institucional. Os processos de prescrição, preparação e administração desses medicamentos também devem obedecer às diretrizes específicas.
A realização de treinamentos continuados e a promoção atividades educativas para seus profissionais, para que sejam capazes de identificar o risco associado à utilização de medicamentos, é outra recomendação aos serviços de saúde.
Medidas simples de segurança, já amplamente discutidas na literatura, podem ser adotadas para prevenir e minimizar os erros nos processos de uso e administração de medicamentos. São elas: padronizar os processos; identificar corretamente os pacientes; não confiar na memória, implantar a dupla checagem; divulgar entre profissionais fontes de informações sobre medicamentos e facilitar o acesso a essas informações; utilizar novos materiais que ajudam a criar barreiras no processo de preparação e administração de medicamentos (exemplo, equipo de nutrição enteral que não conecte em cateter intravenoso). E para garantir que todas essas medidas sejam implantadas e que os processos sejam realizados de forma adequada, o monitoramento contínuo e consistente é a solução para avaliar e identificar os riscos, antes que ocorram os erros.
A participação de todos é fundamental para que processos seguros sejam implantados. Devemos considerar que a presença do farmacêutico na equipe de cuidados é uma iniciativa a ser seguida e que tem colaborado grandemente para a redução de erros. Muitos estudos também têm apontado para a importância do trabalho em equipe. Um estudo denominado Systems analysis of adverse drug events, de Leape e outros autores, publicado no JAMA, já em 1995, relata que quando a equipe tem a oportunidade de participar da melhoria dos processos, os profissionais são capazes de identificar problemas no sistema que levaram a erros e de redesenhar os sistemas.
É preciso ter em mente a garantia do cuidado seguro no uso de medicamentos e o tratamento adequado a cada paciente. Para isso, as instituições de saúde devem direcionar seus esforços para implantar políticas e procedimentos padronizados, definindo ações para o monitoramento dos processos.
Josélia Duarte é médica pediatra e educadora para a Melhoria da Qualidade e Segurança do Paciente do Consórcio Brasileiro de Acreditação/Joint Commission Internacional. É mestre em Saúde da Criança e da Mulher e especialista em Gestão Hospitalar, ambos pela Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz-RJ. Foi tutora do Curso de Especialização Internacional em Qualidade em Saúde e Segurança do Paciente da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Por cinco anos atuou na Coordenação de Planejamento do Departamento de Gestão Hospitalar do Ministério da Saúde.
Fonte: SB-Comunicação-09.06.2016