Opinião

“Uber de atendimento médico” chega a São Paulo

Por Roberta Massa | 07.07.2016 | Sem comentários

É mais do que natural buscar conforto e comodidade, ainda mais numa sociedade onde o controle remoto ajuda a não precisar se mover para ligar ou desligar aparelhos, onde há vidros elétricos que economizam nossas forças. O equipamento mais associado ao futuro, atualmente, é aquele onde se pode baixar aplicativos diversos, que fazem chegar a nossas casas refeições, táxis e outras formas de transporte, qualquer bem de consumo e até medicamentos e profissionais de saúde, desde veterinários até médicos, passando por farmacêuticos, biomédicos e fisioterapeutas.

A comodidade é tanta que já há relógios “inteligentes” que se conectam a centrais que são informadas de nosso sono, consumo de alimentos, exercícios e até de nossos sinais vitais ou resultados de exames. O próximo passo será a ampliação da geração “track me and treat me” que está se formando agora. Na medida em que os dados desses relógios forem mais disseminados pode ocorrer a autorização para eles serem usados por uma central para maior conforto dos seus usuários. Ou seja, quando for detectado algum problema com as condições físicas dos indivíduos, a central pode acionar o indivíduo com a informação e, por que não, com alguma sugestão de conduta ou até de procurar algum profissional. Implicações éticas ou proteção de privacidade certamente já fazem parte da equação, embora esta preocupação ainda não seja universal.

Um dos passos intermediários entre a situação conhecida e este futuro de passividade quase total é o que se observa neste momento, em que proliferam as chamadas clínicas populares. Na verdade, pode-se dizer que este fenômeno começou no Brasil há quase 30 anos, com uma verdadeira retail clinic (clínica de varejo) a Clínica Fares, criada por um médico cuja família já era proprietária de uma rede de lojas populares, com a intenção de oferecer a cidadãos moradores de bairros distantes das regiões centrais acesso facilitado a serviços de assistência, por preços relativamente baixos, prestados por profissionais ligados ao serviço com horizonte de tempo de longo prazo e submetidos a avaliações constantes. Um dos objetivos da clínica é manter relacionamento com os seus pacientes, buscando ser considerada de fato como “do bairro”. Para facilitar a vida dos usuários, já desenvolveu seu laboratório próprio e acordos com alguns hospitais de maneira a dar prosseguimento ao atendimento iniciado na clínica, com cirurgias e outros procedimentos que requeiram mais infra-estrutura para serem realizados. O mecanismo de financiamento é prioritariamente particular (o chamado out of pocket), diretamente do paciente para a clínica, mas também realizam convênios com planos de saúde.

As clínicas mais recentes têm nomes adequados aos tempos atuais e à divulgação da facilidade, como Dr. Agora ou Dr. Consulta, que vendem assistência médica, testes rápidos de laboratório e vacinas, a preços acessíveis e com pouca espera. O nome americano deste modelo é minute clinic (ou clínicas minuto). Aliás, ambas são apresentadas com a possibilidade de agendamentos quase para o mesmo dia a preços acessíveis, desvinculados de planos de saúde ou ainda como alternativas para os serviços ligados a operadoras para os quais a espera é grande, com uma característica de resolubilidade elevada. Nestes casos, a aderência do paciente aos serviços não parece ser um objetivo, mas a localização das unidades, sempre próximas a alguma estação de metro ou terminal de ônibus, é indicativa da intenção de tornar confortável o acesso.

Ainda existem serviços como o Dr. Vem, que traz até onde o paciente quiser profissionais de algumas especialidades médicas, já divulgado na mídia como o Uber dos médicos. Aliás, já há um  aplicativo que tem convênio diretamente com o Uber, o Beep saude, criado por um grupo de médicos no Rio de Janeiro. Existem outras plataformas que ajudam serviços de saúde ou diretamente profissionais, como o Pega Plantão, que auxilia médicos ou enfermeiros em busca de atividade ou unidades assistenciais a encontrar esses profissionais.

Ainda se encontram outras modalidades, criadas para oferecer diferentes formas de assistência. Há redes de ópticas que anunciam a presença de oftalmologistas na casa, para facilitar aos clientes o consumo de óculos. Há drogarias que oferecem serviços de aferição de pressão ou de glicemia, alguns gratuitamente e outros mediante pagamentos quase simbólicos, tudo isso seguindo o que se verifica em alguns países como os EUA ou a Grã Bretanha.

Uma das grandes questões a levantar por trás desse movimento mais recente é que, embora atenda uma demanda inquestionável, ele coloca por terra o conceito de rede de assistência, que está por trás do SUS, por exemplo. Nas redes de drogarias na Grã Bretanha, o paciente se inscreve num programa de acompanhamento, enquanto aqui a proposta é do relacionamento mais elementar, de queixa-consulta, onde se perde a noção do paciente como um todo, do acompanhamento de sua saúde mais do que de um episódio de doença.

Existe uma “lei” ( a Lei de Roemer) na economia da saúde que diz: serviço oferecido é serviço utilizado. No caso desta, não se trata de ser ou não cumprida, tem sido assim inexoravelmente. Cabe a nós, cidadãos, pensarmos no que queremos e no que pode – de fato – ser bom para a nossa saúde.

*Ana Maria Malik, é Graduada em Medicina pela Universidade de São Paulo, mestre em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas – SP (e doutora em Medicina (Medicina Preventiva) pela Universidade de São Paulo. É Professora Titular da EAESP-FGV (departamento de Administração Geral e Recursos Humanos), Acadêmica eleita para a Academia Brasileira de Qualidade .

Fonte: Estadão-07.07.2016

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