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Mortes por covid sobem 18% em uma semana em SP; especialistas veem riscos em flexibilizar

Por Redação GeHosp | 28.05.2020 | Sem comentários

A proposta de iniciar a reabertura dos comércios no Estado de São Paulo, sem a clareza de que estamos em uma curva descendente de infecções, é arriscada, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão. Além disso, pode desperdiçar os resultados do isolamento social obtidos durante a quarentena. 

Na capital, a taxa de ocupação das UTIs era de 92% até quarta-feira. A Prefeitura argumenta, porém, que é possível ampliar a rede disponível se houver aumento da demanda, uma vez que pode alugar leitos da rede privada, o que já tem sido feito. Na última semana, o total de mortes na cidade aumentou 18,2%, passando de 3.252 para 3.844.

“Como a rede hospitalar já está bem ocupada, o provável é que o governo tenha de segurar ou mesmo rever essa reabertura em algumas semanas. Porque a tendência é aumentar o Rt (índice de transmissão) e consequentemente mais caso”, diz Daniel Dourado, médico e advogado sanitarista, do Núcleo de Pesquisa em Direito Sanitário da USP. “O que precisa fazer agora é cobrar do governo estadual para mostrar essa avaliação entre Rt e casos esperados diante da capacidade da rede.”

Professora da Faculdade de Ciência Médicas da Santa Casa de São Paulo, a epidemiologista Maria Amélia Veras diz ter recebido a notícia da reabertura com “preocupação”. Ela alerta que, para o plano dar certo, o monitoramento da pandemia não pode falhar – hipótese pouco provável diante do cenário de subnotificação de casos, da ausência de dados conclusivos sobre prevalência (a chamada “imunidade de rebanho”) e até da possível pressão política em alguns municípios.

“É racional adotar medidas diferenciadas de acordo com a transmissão de cada região, mas tenho certa dúvida sobre o calibre dos dados existentes que podem fundamentar essa decisão”, afirma Maria Amélia. “Para revisar toda semana, precisa haver um monitoramento muito fino que permita intervenção rápida. Se o diagnóstico falhar ou as informações disponíveis não forem suficientes, pode acontecer um desastre.”

Integrante de um grupo de 50 pesquisadores que monitoram a pandemia na capital, o Observatório Covid-19 BR, Maria Amélia afirma não entender quais critérios levaram o governo a classificar a cidade como “laranja” (fase de atenção com eventuais liberações), enquanto os demais municípios da Grande São Paulo estão no “vermelho” (alerta máximo). “As regiões estão ligadas por uma série de fatores, com o transporte diário de milhares de pessoas ou negócios. Como vai organizar esse fluxo?”, questiona. “Com a flexibilização na capital, há risco de migração de mais pacientes dessas cidades para lá.”

Ela vê, ainda, outro possível efeito colateral. “Qual a mensagem que você passa ao fazer o anúncio?”, questiona. “Embora a maioria tenha aderido e defenda o isolamento social, temos uma população com comportamento heterogêneo na mesma cidade. Há regiões com alta adesão, mas em outras as pessoas parecem que nunca ouviram falar de distanciamento social ou não dispõem dos meios necessários para fazer. O isolamento deveria durar o tempo necessário para entender a dinâmica de transmissão, equipar os serviços de saúde e desenvolver as estratégias para retomar a vida real.”

Também integrante do Observatório o ecólogo Paulo Prado, professor do Instituto de Biociências da USP, afirma que o isolamento social demonstrou eficiência até agora. Com base em modelos matemáticos e epidemiológicos, o grupo conseguiu projetar o cenário se nenhuma medida de controle tivesse sido tomada.

Segundo os cientistas, no pior cenário a capital já teria 500 mil casos e 150 mil mortos por covid-19. “Todo esforço feito até aqui nos tirou de uma situação catastrófica. Com certeza, teríamos o sistema de saúde já colapsado e consequentemente a taxa de mortalidade muito maior.”

Por se tratar do epicentro da pandemia, a cidade de São Paulo serve de recorte para o Estado, segundo Prado. “Hoje, temos algo da ordem de 200 a 250 novos casos confirmados por dia. Para SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave), onde se tem retrato mais real porque não depende de teste, são de 700 a 750 casos”, descreve. “Ou seja, por causa do isolamento, conseguimos estacionar — ter comportamento de platô –, mas com o patamar ainda muito acima do normal.” Os dados indicam, no entanto, que as políticas adotadas até hoje não foram suficientes para fazer a curva decair. “A pergunta que está posta para a toda sociedade é: o que precisamos fazer para sair desse platô que não é nada confortável?”, questiona. “Por um lado, temos de pensar mais repertórios de ações. Por outro, também não podemos fechar os olhos para as consequências econômicas e sociais da pandemia.”

Projeções como as do Observatório permitem antecipar impactos segundo cada cenário de flexibilização, diz Prado. “Muito mais importante do que a discussão sobre a data ou o valor do pico é poder desenvolver esses modelos comparativos. Eles antecipam os caminhos que a sociedade pode percorrer.”

Outros países só começaram a flexibilizar após queda no nível de contágio

Professor de administração pública da FGV, Nelson Marconi, lembrou que Coreia do Sul, China e Vietnã só começaram a flexibilizar o isolamento após queda no nível de contágio. Em comum, também haviam testado a população em massa e usar a tecnologia para monitorar as pessoas em locais públicos. Na média, Estados Unidos, Reino Unido, França, Itália e Espanha só flexibilizaram 44 dias após o pico da epidemia. 

“Somos atualmente o epicentro da doença do mundo. Entendo a reabertura como risco e me parece que foi tomada sob pressão do setor do comércio”, pondera Marconi. O momento, na minha opinião, era de pressionar o governo federal para que colocasse à disposição um programa de renda mais amplo e linhas de créditos mais fáceis para o pequeno empresário. A reabertura pode gerar uma segunda onda e piorar o sistema público de saúde.”

Estratégia é semelhante a plano gaúcho, afirma médico

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia, José Miguel Chatkin, o modelo de Doria pode ajudar no combate ao coronavírus, se as especificidades de cada local forem, de fato, consideradas. “A grande vantagem é conseguir adaptar as medidas conforme a gravidade do problema e a capacidade de resolução de cada região”, diz.

Morador de Porto Alegre, Chatkin afirma que a estratégia é semelhante ao plano já em vigor desde o fim de abril no Rio Grande do Sul — Estado que nunca figurou entre os mais afetados pela pandemia. Lá, a taxa de incidência da covid-19 é de 59,6 casos por 100 mil habitantes, a sexta menor do País, segundo o Ministério da Saúde. Já em São Paulo, o índice está em 187,3 por 100 mil, acima da média nacional (186,2).

“No Rio Grande Sul, foram considerados vários critérios para definir as regiões: o número de casos, o número de leitos hospitalares disponíveis e a adesão da população ao confinamento”, explica Chatkin. “Com o tempo, as regiões em laranja, a penúltima na escala de gravidade, estão progressivamente diminuindo e passando para amarelo. Também recebemos notícias de que as internações estão diminuindo.”

Para isso, foi fundamental que os moradores aderissem ao isolamento social anteriormente, diz ele. “O isolamento em Porto Alegre, por exemplo, aconteceu de forma muito precoce e funcionou: não se via carros ou pessoas caminhando pelas ruas”, relata. “Em São Paulo, o volume de pessoas que habitam a capital vai ser um desafio a mais, então é importante que a estratégia seja adaptada.”

Fonte: O Estado de São Paulo – 28/05/2020

Foto: Portal Fotos públicas

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