Saúde

Transfusão de sangue pode transmitir vírus da dengue e da zika

Por Roberta Massa | 09.05.2016 | Sem comentários

Os vírus da dengue e da zika podem ser transmitidos por meio de transfusões sanguíneas-além da via mais comum, que é a picada do mosquito Aedes aegypti.

A constatação vem de estudos recentes e abriu discussão sobre a necessidade ou não do uso de novos testes no sangue doado e de tecnologias de inativação dos vírus.

Em março, uma pesquisa publicada no “The Journal of Infectious Diseases” mostrou que a taxa de transmissão de dengue por transfusão sanguínea é de 37,5%.

O trabalho foi feito nas cidades do Rio de Janeiro (RJ) e de Recife (PE) durante a epidemia de dengue de 2012. É o maior levantamento sobre transmissão transfusional de dengue já feito no mundo (veja infográfico ao lado).

Segundo Ester Sabino, diretora do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo da USP e uma das autoras do trabalho, os infectados foram comparados com um grupo que não recebeu sangue contaminado (grupo controle) e não houve diferença em relação à mortalidade ou à gravidade de sintomas —como diminuição no número de plaquetas no sangue.

Sintomas mais leves, como febre ou mal-estar, são comuns tanto em pacientes com dengue como em pacientes internados. Ou seja, não dá para saber se eram relativos ao vírus ou à própria condição clínica do doente.

Em relação ao vírus da zika, dois casos de transmissão da infecção por meio de transfusões sanguíneas foram relatados no fim de 2015 na região de Campinas (SP) e ainda estão sendo investigados para, posterior, publicação.

Estudos feitos na Polinésia Francesa encontraram resultados positivos para o vírus da zika em quase 3% dos doadores de sangue. Não houve, porém, caso de transmissão sanguínea documentado.

Testes

No momento, a USP desenvolve um novo estudo que avaliará o impacto das três arboviroses (dengue, zika e chikungunya) em pacientes que receberam transfusões em três institutos ligados ao Hospital das Clínicas.

Para Ester Sabino, é preciso buscar evidências que apontem o impacto dessas infecções nos receptores para, então, avaliar se é preciso introduzir novos testes no sangue dos doadores.

“Há várias infecções que podem ser transmitidas nas transfusões, mas que hoje não são testadas porque o impacto no paciente não é tão significativo e os custos são altos”, explica a médica.

Segundo ela, testes moleculares para detectar zika no sangue doado poderiam se justificar para grupos específicos, como gestantes que vão receber transfusões —já que a infecção pode causar microcefalia nos bebês.

Porém, na opinião de Dante Langhi, coordenador da Hemorrede do Estado de São Paulo, priorizar somente as grávidas pode gerar um debate ético. “A segurança na transfusão tem que ser para todo mundo”, afirma.

Não há, hoje, testes de diagnóstico da infecção pelo vírus zika que sejam registrados ou adequados para a triagem laboratorial de doadores de sangue, segundo Dimas Tadeu Covas, presidente da ABHH (Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular).

Covas afirma que, até o momento, não existem evidências na literatura científica que justifiquem a adoção de novos testes laboratoriais nos bancos de sangue para o diagnóstico das arbovirores.

“A transmissão [dos vírus da dengue, zika e chikungunya] pode estar ocorrendo, mas é um evento raro. A prioridade agora são estudos que elucidem o real risco do desenvolvimento de doenças, o que ainda não sabemos.”

Kit de irradiação

Além do aumento no rigor da triagem de doadores de sangue, está em discussão no país a implantação de um sistema que inativa o vírus da zika ou de qualquer outro patógeno presente no sangue.

Uma tecnologia, aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), consiste num kit de irradiação de raios UV-A, capaz de anular diversos vírus e bactérias.

Segundo o HemoRio (Instituto Estadual de Hematologia do Rio de Janeiro), ela começa a ser implantada no país no segundo semestre deste ano. O sistema já é usado em países como França, Holanda, Suiça, Bélgica, Espanha, México e Chile.

Mas a tecnologia tem limitações, segundo Dimas Tadeu Covas, presidente da ABHH. Além de cara, ela só pode ser usada nas plaquetas e no plasma, deixando de fora as hemácias, que são as mais usadas nos bancos de sangue. Para ele, a adoção dessa tecnologia não se justifica.

“Pode dar uma sensação de segurança para a população, mas essa segurança é parcial, já que a inativação só se aplica a uma parte do sangue doado”, diz Dante Langhi, da Hemorrede do Estado de São Paulo.
As hemácias (glóbulos vermelhos) são usadas em casos de anemia, cirurgias ou pessoas que perdem muito sangue em acidente.

Para que a irradiação UV-A seja eficaz, é preciso uma baixa densidade do sangue. A plaqueta e o plasma são amarelos e transparentes, então os raios penetram bem. Já no concentrado de hemácias a cor é densa, e o UV não penetra.

Fonte: Folha de São Paulo-09.05.2016

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