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Novas políticas contra a Aids

Por Roberta Massa | 01.12.2016 | Sem comentários

Integrante da equipe do professor Vicente Amato Neto, auxiliei no diagnóstico do primeiro caso de Aids contraído no Brasil, em 1982. Cuidei do paciente até a sua morte.

Desde então, vi muita gente morrer de complicações causadas pelo HIV.

Na década de 1980, o óbito em curto espaço de tempo era o destino certo dos soropositivos. Não havia remédio, tampouco exame para detectar a infecção.

Os pacientes sofriam demasiadamente. O desconhecimento acompanhado do preconceito.

À época, a exposição pela mídia do aumento do número de casos, em progressão geométrica, foi maciça, suscitando medo na população, que só começou a se prevenir com o passar dos anos.

Com o avanço das drogas desenvolvidas pela indústria e a política de distribuição universal de medicamentos, adotada no Brasil a partir da década de 1990.

Graças a uma lei do então senador José Sarney, sancionada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, houve expressiva redução da morbidade e mortalidade por Aids.

Ainda há, entretanto, muitos óbitos de pessoas com Aids no mundo, inclusive no Brasil. Somente em São Paulo morrem em torno de 2,8 mil soropositivos todos os anos.

Para efeito de comparação, embora qualquer morte deva ser lamentada, em 2015 houve 490 óbitos por dengue, no pior ano da história de transmissão da doença em nosso Estado.

Enquanto a dengue é uma enfermidade que geralmente agudiza e evolui rapidamente para a morte em suas formas mais graves.

A Aids se tornou doença crônica, com tratamento disponível distribuído pelo SUS (Sistema Único de Saúde), e os soropositivos passaram a levar uma vida mais longeva.

Mas não é normal e nem bom ter Aids, é óbvio.

O atual silêncio sobre a doença, a postura de alguns setores e políticas retrógradas têm ajudado a disseminar a falsa impressão de que não há problemas em ser soropositivo.

Isso contribui de forma decisiva para que a prevenção seja deixada de lado.

O tratamento contra a Aids por meio de antirretrovirais pode causar efeitos adversos importantes, como alterações metabólicas, doença arteriosclerótica, alterações corpóreas, renais, hepáticas e ósseas, entre outras.

Definitivamente, é melhor não ter o vírus.

Não se pode fechar os olhos para a epidemia dentro da epidemia de Aids, que vem acometendo adolescentes e jovens.

Especialmente os homens que fazem sexo desprotegido com outros homens.

Convencer as pessoas a usarem camisinha passa nitidamente por mudar a forma de se comunicar com a sociedade.

Uma das saídas talvez seja adotar tom similar ao empregado em relação aos males do cigarro, por meio de divulgação intensa nas novas mídias.

São louváveis as iniciativas adotadas nos últimos anos para incentivar o diagnóstico precoce do HIV por meio de testes rápidos oferecidos na rede pública e mutirões de testagem.

Também é importante a política de prevenção pós-exposição (PEP) em centros de referência.

A questão da pílula pré-exposição ainda merece debate mais aprofundado, uma vez que envolve algumas indagações como o real potencial de adesão.

Além de não proteger contra outras doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada.

Nesta quinta (1º), Dia Mundial de Luta Contra a Aids, é importante reforçar o desafio de discutir novas políticas de prevenção e comunicação.

Sobretudo em relação aos grupos mais vulneráveis, que se contaminam todos os dias no país.

Poder público, mídia e sociedade precisam falar mais, muito mais, sobre Aids, já que a epidemia ainda não tem data para acabar.

DAVID UIP, médico infectologista, é secretário de Estado da Saúde de São Paulo

Fonte: Folha de São Paulo-01.12.2016.

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