Opinião

O impacto da informação qualificada na área da saúde

Por Roberta Massa | 31.05.2017 | Sem comentários

Hoje dia 31 de maio é também o Dia Mundial Sem Tabaco. E há mais de um motivo para comemorá-lo.

No Brasil, as medidas adotadas para controle do consumo do tabaco, incluindo a restrição em propagandas e proibição do fumo em locais públicos, propiciaram uma redução notável da prevalência de fumantes,  conforme destacou um estudo publicado pela renomada revista científica The Lancet, em 5 de abril.

A pesquisa Global Burden of Disease Study, que analisou a prevalência de fumantes e as mortes atribuídas a esse hábito em 195 países, ressaltou que entre 1990 e 2015 o percentual de fumantes diários no país caiu de 29% para 12% entre os homens e de 19% para 8% entre as mulheres.

Muito do êxito na redução do tabagismo pode ser atribuído ao grande esforço do país em levar adiante as políticas antitabagistas e à difusão de informações qualificadas sobre os males associados ao fumo pelos meios de comunicação.

Apesar de todo o esforço da indústria tabagista em tentar desconstruir esse discurso, o tema foi pautado com seriedade na sociedade, sem permitir que informações não baseadas em evidências científicas fossem alardeadas, por exemplo, por meio das redes sociais.

Eis aí o segundo motivo de comemoração – uma campanha bem sucedida baseada na ampla divulgação de informações científicas verdadeiras apoiadas em estudos sólidos.

Nos dias atuais, os acertos da campanha antitabagismo ganham ainda mais relevância.

Infelizmente, não são a regra, mas a exceção, pois nos últimos meses a maior parte da imprensa – salvos poucas exceções – e as redes sociais têm colecionado equívocos no campo da saúde, e, em especial, sobre o câncer.

Um deles está situado na abordagem sobre a mais recente “pílula do câncer”, a fosfoetanolamina sintética, cuja cobertura foi bastante extensa e muito problemática.

Quando o assunto dominou os noticiários, foi inevitável a explosão de teorias da conspiração nas redes sociais.

Dentre elas, de haver um boicote da substância liderado pela indústria farmacêutica.

Quando os jornalistas especializados em ciência e demais comunicadores que difundem informação baseada em evidência científica se aperceberam das dimensões que tomava a campanha em favor da fosfoetanolamina, ainda que faltassem evidências científicas, a confusão já está instalada.

E, lamentavelmente, desconstruir um discurso falso não é uma ação fácil.

Tamanho foi o destaque dado ao composto que ele teve a oportunidade de ser transposto para um estudo clínico.

Há dois meses, em 31 de março, o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) anunciou que os estudos clínicos com o composto fosfoetanolamina sintética evidenciaram que a “pílula do câncer” não apresentaram benefício clínico significativo.

Essa informação passaria despercebida caso fosse outro o composto em avaliação, pois é bastante comum substâncias que trazem resultados robustos em modelos animais acabarem não vingando quando testadas em humanos.

Imagine então no caso da fosfoetanolamina, cujos estudos em fase pré-clínica já não ofereciam evidências suficientes para se acreditar na possibilidade de sucesso quando levadas ao âmbito da pesquisa clínica.

A questão é ainda mais complexa, pois o episódio “pílula do câncer” não é um caso isolado no Brasil.

Em outubro do ano passado, durante o mês de conscientização mundial sobre o papel da prevenção e do diagnóstico precoce para a redução de mortes por câncer de mama, um vídeo viralizou no Facebook e em aplicativos de mensagens instantâneas como o WhatsApp.

Uma mulher, que não se identificou, afirmava que o médico Dráuzio Varella tinha associado, em uma reportagem, a ocorrência de câncer de tireoide com a realização de mamografia e radiografias odontológicas.

Uma imensa falácia. A referida matéria jamais existiu. Tampouco há qualquer evidência de tal associação.

O que a ciência aponta é que o exame de mamografia gera uma exposição insignificante para outros locais que não seja a mama e que os protetores de tireoide (sobre os quais a protagonista do vídeo alarmista falou) podem ser fornecidos a pedido dos pacientes.

No entanto, o seu valor é apenas psicológico, conforme documento publicado em 2011 pela Agência Internacional de Energia Atômica.

O Twitter também se presta à desinformação, embora tenha se tornado uma poderosa ferramenta de disseminação de notícias médicas e de promoção de diálogos de temas sobre saúde.

Pesquisadores do Hospital Johns Hopkins, nos Estados Unidos, publicaram no Journal of Cancer Education, em janeiro deste ano, uma análise das opiniões dadas nessa rede social sobre o rastreamento de câncer de mama e o quanto as mesmas se basearam no uso de evidências e linhas de conduta clínica.

Ao analisar 1.345 tweets individuais com hashtags relacionadas à mamografia retirados prospectivamente do Twitter, entre 5 de novembro e 11 de dezembro de 2015.

Os autores observaram que os temas da saúde são mais propagados por usuários que não atuam na área e, consequentemente, há predominância de tweets contendo alegações falsas, não apoiadas por evidências científica e favoráveis à alternativas “naturais” de prevenção e tratamento do câncer de mama.

Além disso, acrescentam os autores, os usuários do Twitter demonstraram ter baixa aprovação e alto grau de confusão em relação às diretrizes para realização da mamografia.

É mais uma evidência de que mais importante do que oferecer um excesso de informação para a sociedade é difundir informação qualificada, que de fato impacte positivamente na qualidade de vida das pessoas.

No caso do câncer de mama, é papel do jornalismo enfatizar a segurança da mamografia e os danos de se substituir as modalidades convencionais de prevenção e tratamento por alternativas não comprovadas.

Não faltam dados para atestar essa conduta.

Outro evento recente de falta do uso das evidências científicas na cobertura jornalística foi trazida por pesquisadores da Cardiff University, do Reino Unido.

Em estudo publicado no British Dental Journal, publicação do grupo Nature, os autores observaram que a cobertura sobre câncer bucal pelos jornais impressos do Reino Unido perdeu a oportunidade de cumprir o seu papel social de oferecer informação qualificada sobre como prevenir essa doença ao privilegiar histórias com forte apelo emocional e dramático em relação ao uso de tabaco e bebida, à prática sexo e de histórias envolvendo o mundo das celebridades.

Foram analisados 239 artigos de jornais como Times, Telegraph, Independente, Guardian, Daily Mail, dentre outros.

Concluiu-se que os artigos não tinham uma base de evidência adequada e muitas vezes não conseguiram fornecer informações precisas sobre sinais e sintomas, tampouco sobre prevenção e tratamento.

Enfim, é missão dos jornalistas especializados em saúde e ciência e demais divulgadores de conhecimento científico levar informação qualificada e palpável para a sociedade.

Desta forma, não se abre brechas para que se alardeie inverdades como dizer que uma única droga será capaz, sozinha, de curar todo os tipos de câncer; ou que o mais eficaz exame para diagnóstico precoce do câncer mais prevalente nas mulheres seja a causa de tumores, ou ainda que o cumprimento do rito científico não seja essencial.

Com isso, casos de sucesso, como as ações antifumo, se tornarão mais frequentes.

*José de Moura Leite Netto é jornalista especializado em Oncologia, comenta a qualidade das informações científicas sobre o fumo e a cura do câncer usadas em reportagens e redes sociais.

Fonte: ANAHP-31.05.2017.

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