Hospitais no Brasil entram definitivamente na era do videogame
Por Roberta Massa | 01.03.2018 | Sem comentáriosHospitais no Brasil entram definitivamente na era do videogame. O aparato é digno de um filme de ficção científica.
À primeira vista, quem domina a cena é um robô de uma tonelada, dotado de quatro braços mecânicos, com pequenas pinças em suas extremidades.
A máquina é chamada de Da Vinci, em homenagem ao pintor e inventor renascentista italiano Leonardo da Vinci (1452-1519).
O ambiente é uma sala de cirurgia.
O equipamento está em operação sob o comando de Sérgio Eduardo Alonso Araújo, cirurgião com 26 anos de experiência em aparelho digestivo.
Sentado em um console semelhante a um simulador de voo, ele controla o robô por meio de um joystick.
Sobre a mesa cirúrgica, os braços mecânicos reproduzem, com precisão milimétrica, cada movimento de Araújo.
A partir de um visor no “cockpit”, o médico tem acesso a imagens 3D e em alta definição, emitidas por uma câmera minúscula, introduzida no corpo do paciente.
A visão do local exato do procedimento é ampliada em até 15 vezes.
“A sensação é espetacular”, diz Araújo, que coordena o Programa de Cirurgia do Hospital Albert Einstein.
“É como se você tivesse superpoderes”.
Minimamente invasiva, a cirurgia robótica começa a ganhar espaço no país, com diversos benefícios para pacientes, médicos e hospitais.
A precisão do robô diminui o tempo de recuperação e aumenta a capacidade de novas cirurgias.
Em tese, o aparelho pode dobrar a capacidade de um hospital realizar o mesmo procedimento, em comparação a uma intervenção convencional.
Além disso, o leque de recursos à disposição reduz a possibilidade de erros.
O sistema, por exemplo, barra pequenos tremores nas mãos dos médicos e consegue realizar movimentos em 360 graus.
“É um processo refinado e muito menos cansativo para o cirurgião”, afirma Rubens Sallum, membro do corpo clínico do Hospital Sírio Libanês.
É também uma vertente que tem consumido bilhões de dólares em investimentos ao redor do mundo.
De acordo com um estudo da empresa de pesquisas ReportLinker, a cirurgia robótica movimentou US$ 5,6 bilhões, globalmente, em 2016.
A companhia prevê que a cifra seja de US$ 24,4 bilhões, em 2023.
O mercado brasileiro está, neste momento, recebendo mais equipamentos.
De uma base instalada de 12 robôs, há quatro anos, a estimativa é de que o País tenha, atualmente, entre 35 e 40 aparelhos.
Hoje, considerando apenas o robô, o investimento é de R$ 5 milhões.
Além desse aporte, é preciso contabilizar os gastos com manutenção, importação de insumos e a capacitação do corpo clínico.
A boa notícia é que esses equipamentos estão tanto na rede privada como na pública.
O Instituto do Câncer de São Paulo e o Hospital das Clínicas de Porto Alegre estão entre os que já possuem essa tecnologia.
“Estamos entrando na fase da cirurgia 4.0, com a integração do sistema robótico a conceitos como a inteligência artificial”.
Diz Fabrício Campolina, coordenador da Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde.
“Será uma espécie de Waze da cirurgia, que levará a aplicação da robótica a um novo patamar”.
O Hospital 9 de Julho, de São Paulo, é um dos centros que estão reforçando sua aposta no setor.
Em 2017, o hospital desembolsou R$ 12 milhões na compra de um segundo robô e na construção de uma sala inteligente de robótica, com dois espaços disponíveis para cirurgias.
Enquanto uma sala está sendo utilizada em uma operação, o outro ambiente é preparado para que possa receber, logo na sequência, um novo paciente.
“A antiga estrutura nos limitava”, diz Alfonso Migliore, diretor-geral do 9 de Julho, que planeja aumentar em 35% o número de cirurgias robóticas em 2018.
No ano passado, foram 827 intervenções. Para o segundo semestre, está prevista a compra de mais um equipamento.
Desde 2012, o 9 de julho já realizou mais de 2,5 mil cirurgias, sendo 65% de próstata.
Em todo o mundo, a especialidade é a mais difundida na cirurgia robótica.
A área foi a primeira a acumular um volume expressivo de casos que comprovam os benefícios dessa aplicação.
Os riscos de incontinência urinária e de impotência, por exemplo, caem de 10% a 15%.
Operado com a assistência de um robô, um paciente com câncer de próstata fica, em média, dois dias internado.
Já na cirurgia aberta, o período pode variar de quatro a cinco dias.
Aos poucos, os robôs avançam em outras especialidades, como cirurgias cardíacas e de cabeça, pescoço e tórax.
Com mais de 6 mil operações desde 2008, o Albert Einstein acumula mais 1,5 mil procedimentos em gastroenterologia e cerca de 1,4 mil em ginecologia.
“É impressionante a evolução dos equipamentos nesses 10 anos”, diz Sidney Klajner, CEO da instituição, que assistiu com certa desconfiança à chegada da novidade.
O Albert Einstein investiu R$ 46 milhões, em uma década, para comprar três robôs e estruturar o seu departamento.
E agora tenta viabilizar duas novas máquinas para equipar o seu centro de treinamento e a sua unidade instalada na Vila Santa Catarina, bairro da zona sul de São Paulo.
Onde são realizados atendimentos de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).
Baerreiras
Se o financiamento de uma estrutura robótica é um desafio para os hospitais, o custo de uma cirurgia nesse modelo também é uma barreira a ser vencida.
Em algumas aplicações, o gasto adicional pode variar de R$ 8 mil a R$ 9 mil.
Atualmente, os planos de saúde não cobrem essas operações.
Mas o aumento de casos com a redução do tempo de internação.
E do volume de medicamentos no pós-operatório começa a se consolidar como um ponto a favor na negociação com as operadoras.
“Com a maturação da tecnologia, faremos mais procedimentos, em menos tempo, e teremos um giro ainda maior nos leitos”.
Diz Paulo Vasconcellos Bastian, superintendente-executivo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
A instituição já investiu R$ 85 milhões para equipar suas salas de cirurgias robóticas, o que incluiu a aquisição de dois aparelhos.
Agora, avalia os próximos investimentos na área.
O compasso de espera do Oswaldo Cruz está diretamente ligado à expectativa no setor de que o custo desses equipamentos recue no médio prazo.
Hoje, com uma fatia de 95%, a americana Intuitive domina o mercado.
No entanto, a quebra de algumas das suas patentes nos próximos dois anos e a adoção crescente da cirurgia robótica começam a atrair novos fornecedores.
Para as fontes consultadas pela IstoÉ Dinheiro, esse cenário irá consolidar técnicas já disponíveis, como as cirurgias remotas, e acelerar o desenvolvimento de inovações.
“Há uma tendência de miniaturização e de segmentação dos robôs em cada especialidade”, diz Sérgio Arape, gerente do Centro Cirúrgico do Hospital Sírio-Libanês.
A instituição, que já investiu cerca de R$ 40 milhões na área, planeja a aquisição de um terceiro robô.
E estuda a transferência de outra máquina para o hospital que o grupo prevê inaugurar, até o fim do ano, em Brasília.
“Estamos analisando se é válido aguardar pelas novidades que a próxima geração trará”.
O ponto-chave dessa tecnologia é a precisão do joystick para salvar vidas no videogame da vida real.
Fonte: Portal Hospitais Brasil – 01.03.2018.