Saúde

Ministério da Saúde se recusa a explicar o rolo da hepatite C

Por Roberta Massa | 01.10.2018 | Sem comentários

O ministério da saúde não esclarece se farmacêutica Gilead ofereceu droga mais avançada e mais barata que genérico.

Quanto mais trabalho como jornalista, mais me convenço de que os atores da esfera pública não querem esclarecer nada.

O esforço geral é de confundir, como atesta o caso da patente do remédio sofosbuvir para hepatite C.

A notícia era boa: o Sistema Único de Saúde (SUS) poderia economizar R$ 1 bilhão comprando o medicamento genérico da estatal Farmanguinhos/Fiocruz.

Em lugar da versão de marca da americana Gilead, detentora de patentes no exterior sobre o princípio ativo.

Na origem da história estão reuniões realizadas em junho e julho no Ministério da Saúde para discutir ofertas preliminares de diversos fabricantes numa possível compra de 50 mil tratamentos até 2019.

O relato dos encontros pode ser encontrado aqui.

Nele se esclarecia que “não se tratava de um processo de aquisição”, e sim de “uma discussão de preços praticáveis com vistas a compreender os menores custos de tratamento possíveis”.

Surge a primeira dúvida: não é exatamente isso o que se faz num processo de licitação regular?

Por que fazê-lo numa tomada de preços informal e já concluir economia de R$ 1.039.353.158,84?

A ata está assinada por Eduardo Seara Pojo, Adele Schwartz Benzaken e Carlos Eugênio Vasconcelos Neves, do Ministério da Saúde (MS).

Eles estão na linha de frente do plano de eliminar a hepatite C do país até 2030, tratando cerca de 1 milhão de infectados que podem desenvolver cirrose e câncer e necessitar de transplante.

Aí veio a má notícia, no último dia 18: o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) concedeu patente do sofosbuvir à Gilead. Inviabilizava-se a produção do genérico.

Comoção geral. José Serra (PSDB) e Marina Silva (Rede) exigem explicações do governo federal. Um juiz concede liminar suspendendo decisão do Inpi.

Segunda dúvida: se a economia era bilionária, o Planalto não poderia licenciar compulsoriamente a droga para lançar mão do medicamento genérico?

Foi o que questionou o colega Hélio Schwartsman na quarta-feira (26).

Com essas e outras dúvidas levantadas após entrevista na Gilead, procurei o MS.

Com três dias de antecedência, pedi entrevista em Brasília na sexta-feira, indiquei nomes de especialistas e encaminhei cinco perguntas específicas.

A assessoria de imprensa do MS, recorrendo a prática cada vez mais comum, enviou nota que não responde a nenhuma das questões.

Quanto a entrevista, afirmava: “No momento não teremos fonte disponível”.

Sobre a compra, dizia: “O processo de aquisição dos medicamentos utilizados para o tratamento da hepatite viral C.

E coinfecções está em andamento, portanto o Ministério da Saúde não pode se pronunciar sobre questões de preços e fornecedores, neste momento”. Certo.

A Gilead nega que seja contra genéricos. Licenciou o sofosbuvir —voluntariamente, diz— para produção em 11 fábricas da Índia e venda em países de baixa renda.

A farmacêutica alega que já ofereceu opções de nova geração ao MS, os remédios Harvoni (ledipasvir + sofosbuvir) e Epclusa (sofosbuvir + velpatasvir), com preços competitivos.

Os tratamentos completos sairiam por US$ 1.490 (cerca de R$ 5.900) cada, contra US$ 1.506 (R$ 6.000) do genérico.

Perguntei ao MS qual sua posição sobre a decisão do Inpi, se confirmava a oferta da Gilead, se a conta do bilhão havia caducado e quando haveria uma verdadeira licitação.

O público ficou sem as respostas. Essa história está muito esquisita.

* Marcelo Leite – Jornalista especializado em ciência e ambiente, autor de “Ciência – Use com Cuidado”.
Fonte: Folha de São Paulo – 01.10.2018.
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