Tecnologia

Telemedicina: a era do Doutor Robô

Por Roberta Massa | 10.02.2019 | Sem comentários

Em uma decisão que incentiva a telemedicina, o Brasil autoriza consultas pela internet, o que terá um impacto incalculável no relacionamento entre médico e paciente

Poucos contatos humanos são mais reverenciados que o diálogo entre um médico e seu paciente, aquela troca, nem sempre fácil, as vezes francamente tensa, entre o profissional que zela pela saúde alheia e a pessoa que teme estar se aproximando da pior das notícias.

Tem sido assim desde que Hipócrates (460 a.C – 377 a.C.), o pai da medicina, intuiu a necessidade de detalhar as doenças de quem o procurava para  chegar ao diagnóstico, inicialmente com muita conversa, depois com cuidados exames.

Desse modo, com variações mínimas, passaram-se séculos.

Nos últimos anos, dada a explosão tecnológica que destruiu muitas atividades e inventou outras, abrindo atalhos inimagináveis para a humanidade, também a medicina passou a atravessar aceleradas modificações – e no centro da revolução está a convivência entre homens e mulheres de jaleco e os enfermos.

Ela sempre exigiu  o contato pessoal, a presença física no consultório, mas essa era está chegando ao fim.

Na semana passada, o Conselho Federa de Medicina-CFM, o órgão que  regula a atividade, divulgou uma resolução de doze páginas.

Nela, autoriza e incentiva o recurso telemedicina, ou seja, o uso das inovações eletrônicas e dos meios de comunicação que surgiram com a internet para a prática de uma medicina que já não exige o contato físico.

A resolução que entra em vigor dentro de noventa dias, permite, por exemplo, que os médicos atendam seus pacientes através de um simples vídeo, coisa que, até agora, era expressamente proibida.

Telos, em grego, raiz da expressão telemedicina, significa distância.

E é justamente a distância, o avesso da proximidade, que produz a estranheza.

A inexistência do encontro pessoal pode parecer a negação de um princípio básico ensinado em inicio de carreira: a medicina de qualidade se faz sobre a tríade “ver, sentir e escutar’.

Diz Renato Anghinah, professor de neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: “ Conhecer o paciente é essencial.

O médico precisa saber a história de vida, da família, dos problemas e frustações de cada doente que chega non consultório.

Quanto mais empatia houver com o paciente, mais informações ele conseguirá coletar”.

Empatia, eis um conceito chave para acompanhar a novidade.

Estudo conduzido pela Universidade da Califórnia revela que em qualquer sociedade, apenas 7% da comunicação emocional ocorre através da palavra, enquanto 38% são dados pelo tom de voz 55% pela postura pelo contato visual.

Será que, com os recursos da inteligência artificial, com a distância física proporcionada pela tecnologia, haverá espaço para uma  comunicação completa entre médico e paciente.

Ainda não há resposta para essa questão, mas as primeiras reações a decisão do CFM mostraram que a resistências são grandes.

Conselhos regionais alegaram não ter participado da elaboração das normas. Chegou-se a pedir inclusive a suspensão do documento.

O CFM refutou as criticas declarando que a resolução foi resultado de dois anos de amplas discussões deflagradas em todo o pais, e não aceitou adiar a publicação.

Não será uma adoção fácil, e nas dores iniciais de qualquer parto é sempre bom olhar a para experiencias mais antigas.

Nos Estados Unidos, a medicina baseada na tecnologia foi muito celebrada nos últimos trinta anos, desde a popularização do computador domestico e, depois, com a chegada da internet.

O efeito colateral: o esfriamento da relação entre o médico e o paciente. Ancorados nas máquinas, auxiliados por algoritmos,  os especialistas são capazes de revelar detalhes duros do prognostico e apontar chances de cura com extrema objetividade, mas sem exibir envolvimento emocional.

A relação médico-paciente ficou técnica, fria e impessoal.

A partir dos anos 2000, como reação a esse estado de coisas, surgiu entre os americanos um movimento de “humanização na medicina”, que prega reaproximação do profissional com o paciente.

As faculdades criaram disciplinas especificas para ensinar a boa conduta de um médico.

Os críticos do uso da telemedicina afirmam que, por mais que o vídeo tenha alta resolução, que a conexão seja boa, que o microfone tenha bom alcance e o médico do outro lado da tela seja experiente, a consulta a distância pulveriza o convívio primordial.

“ A humanização precisa ser um principio básico também da telemedicina”, diz um dos maiores estudiosos do tema no Brasil, Chao Lung Wen, professor da USP.

Em termos práticos, como se dará essa humanização?

Como contraponto ao “ver, sentir e escutar” da medicina tradicional, os entusiastas da telemedicina baseiam-se em uma trinca diferente: ‘praticidade, redução de custos e ampliação do acesso à saúde”.

O Hospital Albert Einstein, em São Paulo, é uma instituição de usa o recurso de forma experimental desde 2012.

Circula, em seus corredores, um robô com jeitão de enceradeira, controlado por celular, cuja missão é visitar os pacientes nos quartos.

No topo do robô, numa tela que funciona à guisa de cabeça,  aparece o médico, que pode estar a milhares de quilômetros de distância.

Parece coisa de seriado futurista, mas está acontecendo neste momento.

A telemedicina funciona? No Einstein, um projeto de orientação aos pacientes à distância evitou 83% das idas desnecessárias à emergência e obteve 96% de aprovação dos usuários.

“ A telemedicina agrada aos pacientes, evita desperdícios e desafoga o pronto socorro”, diz Sidney Klajner, presidente do Albert Einstein.

Salienta-se, contudo,  que a telemedicina não serve para todos os momentos.

Pode ser útil para situações pontuais como no caso de acompanhamento pré natal e mesmo depois do nascimento, já que as mães  podem receber instruções remotamente sobre a melhor forma de amamentar o bebê ou sanar as angustias tão naturais dessa fase da vida.

No momento, a telemedicina não serve – pelo menos no estágio em que se encontra hoje – para pacientes com queixa de dores abdominais ou para aqueles que precisam realizar  exames ginecológicos e urológicos.

Muito menos para dar um diagnostico de câncer.

“ A medicina virtual dificilmente conseguirá ser tão completa quanto a consulta presencial’, diz o cirurgião oncológico Ademar Lopes do A. C. Camargo.

Fonte: Revista Veja Telemedicina – 10.02.2019.

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