CoronaVírus

COVID-19: a importância do cenário prospectivo na cadeia produtiva da saúde

Por Redação GeHosp | 19.07.2020 | Sem comentários

O que mais temos ouvido falar e lido nas últimas semanas é sobre o COVID-19 ou novo Coronavírus. E como qualquer assunto de grande relevância ou impacto na vida das pessoas, há diferentes pontos de vista, diferentes aspectos a serem considerados, diferentes fatores relevantes.

E por que esses olhares diferentes são tão importantes? Pois só com diferentes percepções é possível ter uma visão cada vez mais ampla de todo o contexto e de todos os impactos, para que dessa forma sejam desenhados cenários prospectivos e as melhores decisões sejam tomadas.

Perceba o termo usado anteriormente: cenários prospectivos. Gerir cenários. Pensar cenários. Prever cenários. Mas o que são cenários prospectivos?

Cenários prospectivos são, de uma forma bastante simplista, uma expectativa de como algo será daqui um período de tempo, por exemplo, um ano, dois anos, 10 anos.

Colocando no atual contexto do novo Coronavírus, o cenário poderá contribuir com respostas às questões que governantes, empresários, trabalhadores formais e informais, profissionais de saúde, economistas, entre outros tem feito: Como o mundo será quando a pandemia passar? Como estará a saúde das pessoas? Quantos irão passar ilesos a essa pandemia? Como estará a economia? E diversas outras questões.

Para conseguir responder a isso, é preciso criar os tais cenários prospectivos.

Para a criação de cenários prospectivos, precisamos entender o que pode afetar nossa organização e o setor em que atuamos. É preciso conhecer a cadeia setorial, as macrotendências, os nossos clientes, os nossos concorrentes, os clientes dos nossos clientes. Ou seja, é preciso conhecer uma série de circunstâncias que influenciam o contexto atual e que influenciarão o contexto futuro.

É fato que todo esse conhecimento que será usado na criação de cenários pode ser passado diretamente da cabeça das pessoas para um slide com a descrição do cenário. Mas será que estaremos sendo exaustivos? Será que não esqueceremos de nada? Será que não iremos tomar uma decisão equivocada porque escapou só uma “coisinha”?

Para evitar isso, é importante utilizarmos uma metodologia com processos, ferramentas e templates. É preciso dar consistência e robustez para a montagem e gestão dos cenários.

A metodologia que temos utilizado para desenhar cenários prospectivos concentra a análise da cadeia setorial e dos principais atores, análise dos fatores e forças que atuam e pressionam o setor, análise de novos entrantes e de soluções substitutas.

Para isso, podemos usar as ferramentas PESTEL, as forças de Porter, Cadeia Setorial, mapa de tendência. Vamos falar de algumas delas para ficar claro como podemos, a partir de um método estruturado, chegar a bons desenhos de cenários.

Primeiramente precisamos definir qual o escopo da análise. Para efeito de simplificação, vamos definir que o nosso escopo será uma organização que atua na cadeia setorial ou cadeia produtiva da saúde (por exemplo um hospital, uma clínica ou uma operadora), e uma questão chave, como por exemplo, qual será o impacto em diferentes elos do setor de saúde (sistema único e suplementar) após a pandemia?

Agora, precisamos começar a analisar o que está acontecendo com essa cadeia setorial. Para isso, podemos utilizar uma primeira análise de contexto utilizando a ferramenta PESTEL.

PESTEL é o anagrama de seis fatores: político, econômico, sociocultural, tecnológico, meio ambiente (environment) e legal.

Essa ferramenta nos ajuda a levantar fatores que influenciam o escopo em análise, considerando os seis aspectos ditos anteriormente.

A seguir, um exemplo de um fator de cada tipo do PESTEL, apenas para exemplificar.

Entendidos esses fatores, é importante perceber como eles afetam o setor e toda a sua cadeia produtiva. Quando falamos da saúde, podemos tomar como base a seguinte cadeia:

Vamos tomar como base o atual momento de pandemia em que estamos vivendo (um fator sociocultural).

O que pode acontecer com estes elos da cadeia produtiva da saúde?

Para isso, vamos analisar o impacto em alguns elos da cadeia:

Esses foram só alguns exemplos do impacto de um único fator.

E para o desenho de cenários, é fundamental que tenhamos essa visão para vários outros fatores.

Se formos olhar o mapa de tendência e forças que impactam a saúde, alguns itens já teriam sido observados ao longo das análises usando a Cadeia Setorial e o PESTEL, mas outros aspectos podem surgir, inclusive levando a necessidade de ajustes nas análises anteriores.

Mas o que precisamos aqui é entender: quais são as macrotendências e forças que impactam a saúde?

  • Envelhecimento da população levando a um aumento de doenças crônicas (macrotendência);
  • O foco da saúde no Brasil é na correção e não na prevenção e promoção (força que atua contra o melhor resultado na saúde);
  • Uso cada vez mais forte de tecnologias 4.0 como robôs, IoT, Inteligência Artificial, Big Data, etc (macrotendência);
  • Recursos para a saúde cada vez mais caros demandando cada vez mais dinheiro das fontes pagadoras (macrotendência);
  • Dificuldade de acessar os recursos de saúde para parte da população (força que atua contra o melhor resultado na saúde);
  • Etc.

Se juntarmos apenas esses 3 elementos de análise (PESTEL, Cadeia do Setor de Saúde, Análise de Macrotendências e Forças que atuam sobre o setor de saúde) já conseguimos ter insumos relevantes e importantes para montar cenários prospectivos.

A ideia dos cenários é cobrir, num primeiro momento, as várias possibilidades para, num segundo momento, escolher aquele em que acreditamos ser o mais factível de ocorrer, sem perder de vista todo um processo de gestão e acompanhamento dos outros vários cenários.

E por que isso é importante? Porque nunca temos certeza se escolhemos o cenário correto se não monitorarmos.

Como então devemos criar cenários? Para isso, precisamos juntar algumas peças do “quebra-cabeça” que acabamos de estruturar e criar possíveis futuros com eles.

Para simplificar, vamos juntar um eixo que olhe a relação recessão x crescimento, outro que olhe o impacto na saúde das pessoas com o coronavírus considerando a relação de muitas pessoas impactadas x poucas pessoas impactadas, e um terceiro eixo que considere a maior transformação digital na saúde x menor transformação digital na saúde.

Olhem quantos cenários podemos criar com apenas esses 3 eixos:

Esse cruzamento daria uma infinidade de cenários possíveis, que para efeito de simplificação e decisão, poderiam ser resumidos em oito.

Como exemplo, hipoteticamente, vamos considerar o cenário 7. Esse cenário consiste em:

  • Muitas pessoas serão impactadas pelo coronavírus;
  • Pais entrará em recessão;
  • Haverá maior transformação digital na saúde.

Considerando este cenário 7 vamos, sem a pretensão de sermos exaustivos, comentar alguns impactos para uma Operadora de Saúde, um Hospital Privado e para o Sistema Único de Saúde (SUS).

– Operadora de saúde: em termos de custo, pelo fato de haver muitas pessoas impactadas pelo vírus, a sinistralidade eleva, visto que aumenta a demanda prevista para leitos de UTI. Em contrapartida, com a postergação de procedimentos eletivos, os custos de curto prazo reduzem, porém, num futuro bem próximo, esses custos retornam e ainda de forma concentrada.

Com o país em recessão, há demissões e, com isso, perda de carteiras e vidas, reduzindo a receita da Operadora. Para compensar a redução de margem, as operadoras podem a utilizar IoT para monitorar pacientes, inteligência artificial e big data para identificar movimentos, tomar decisões e telemedicina para otimizar custos assistenciais.

– Hospital privado (foco em atendimento a convênios e particulares): em termos de receita, com a postergação de procedimentos eletivos há queda drástica, o que reduz as margens. Porém, após a pandemia, o represamento desses procedimentos eletivos precisa ser reduzido e eliminado, fazendo com que as receitas acelerem rapidamente (é preciso estar atento a uma possível falta de capacidade para atender toda a demanda reprimida em um curto espaço de tempo).

Em contrapartida, com o país em recessão, há redução de beneficiários e empobrecimento da população, levando a queda de atendimentos por convênio e particular.

Em relação a transformações digital, a telemedicina pode ser utilizada tanto para ajudar na “desospitalização” quanto para realizar consultas.

SUS: em termos de custo, pelo efeito direto dos pacientes com o conoravírus, seu impacto é alto, já que há muitas pessoas infectadas. Com a recessão, além do país arrecadar menos impostos e com isso o sistema público de saúde receber menos verba, há o aumento de demissões com consequente incremento de pessoas que dependem do SUS, reduzindo, portanto, o gasto per capita na saúde em um ambiente em que os custos assistenciais só aumentam (macrotendência).

Por outro lado, o SUS pode usar tecnologias de transformação digital como inteligência artificial e telemedicina para reduzir os seus custos de forma mais assertiva.

Antever o futuro não é um exercício simples, mas é um exercício necessário e possível. Se sua organização conseguir prever movimentos, prever cenários, ela, no mínimo, estará melhor preparada quando o cenário acontecer.

E mesmo que ela tenha escolhido outro cenário para trabalhar a sua estratégia, se durante o processo de gestão for identificado que um outro cenário está despontando, a velocidade com que a organização tomará decisões será muito maior do que dos outros players.

Apenas para exemplificar esse ponto, vamos olhar para o caso de Taiwan em relação ao coronavírus, por ser um dos países que mais chama a atenção pelo sucesso conseguido.

Localizado a 80km da China continental, com uma população estimada de 23,7 milhões de pessoas, tinha:

  • em 31 de março de 2020, contabilizado 322 casos confirmados, 5 mortes, 39 pessoas recuperadas, sobrando ainda 278 casos ativos ou seja, em acompanhamento;
  • em 14  de junho de 2020 (cerca de 75 dias depois), contabilizado 443 casos confirmados, 7 mortes, 431 pessoas recuperadas, sobrando ainda 5 casos ativos ou seja, em acompanhamento.

Mas o que Taiwan fez?

Não podemos acreditar que Taiwan começou  o combate à pandemia agora. O que Taiwan fez foi a implementação de um plano desenhado em 2003, logo após a pandemia do SARS, com a criação de um centro de controle de epidemias.

Assim, logo que iniciou a crise na China continental, Taiwan começou a implementação de mais de 100 ações, como por exemplo:

  • rastrear passageiros vindos do epicentro da pandemia (Wuhan);
  • fechar fronteiras (vale lembrar que essa medida foi tomada ainda num momento em que a OMS considerava desnecessária tal atitude);
  • entrevistar detalhadamente suspeitos de coronavírus para garantir diagnóstico precoce e rastreabilidade;
  • em termos de produção e logística na saúde, proibir a exportação de suprimentos médicos;
  • criar mecanismos para evitar que as pessoas fizessem estoques de máscaras para que não houvesse falta de oferta;
  • mobilizar a indústria para aumentar a produção de máscaras;
  • iniciar todo um processo de prevenção e promoção com ações para adoção de boas práticas de saúde pública e higiene pessoal;
  • implementar planos de comunicação pública sobre a pandemia;
  • avaliar recursos hospitalares.

Mas as ações não pararam nesses pontos. Quarentenas foram instituídas em pontos de chegada do coronavírus, vigilância digital implementada em pacientes suspeitos por meio de rastreamento via celular – segundo o jornal The New York Times, quem descumpre a quarentena tem uma multa de US$ 33.200,00.

Isso permitiu que a vida cotidiana do país seguisse sem maiores impactos, mantendo as escolas abertas, as empresas funcionando e a economia girando.

Se quisermos aprender alguma coisa com Taiwan, não devemos olhar simplesmente as decisões que foram tomadas agora e repeti-las, mas o que foi feito há 17 anos, em 2003: desenho da estratégia de atacar a qualquer nova pandemia.

Autores:

Joyce Romanelli: Sócia da Stratex, atua no setor de saúde desde 2006, onde já exerceu as funções de Diretora Administrativa e Executiva, além de Gestora da Qualidade, Planejamento Estratégico, Projetos e Gerenciamento de Riscos. Mestranda em Gestão para a Competitividade na Fundação Getúlio Vargas (FGV) na linha de pesquisa de Gestão da Saúde e especialista em Administração Hospitalar. Docente do Centro Universitário São Camilo em cursos de pós graduação

Luiz Sedrani: Sócio da Stratex, possui experiência em consultoria desde 1997, desenvolvendo projetos de planejamento e gestão estratégica, gestão de performance, redesenho de processos e reestruturação organizacional, modelos de reconhecimento e incentivo atrelados a estratégia, gerenciamento de projetos e viabilidade técnica-econômica de projetos e soluções tecnológicas, com atuação em organizações dos setores público e privado e instituições sem fins lucrativos. Engenheiro de Produção graduado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (POLI-USP) com pós-graduação em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV)

Suzana Mosquim: Sócia da Stratex, atua no setor de saúde desde 2003, tem consolidada experiência em Gestão de Serviços Assistenciais, Qualidade e Segurança do Paciente. Já atuou como Diretora de Práticas Assistenciais com foco em estruturação de diferencial competitivo e sustentabilidade do negócioEnfermeira com MBA em Gestão Executiva em Saúde pelo Insper, especialista em Administração Hospitalar, com Título em Hematologia e Transplante de Células Tronco Hematopoiéticas pela ABHH. 

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