Negócios

Negócios na área da saúde atraem, apesar dos desafios

Por Roberta Massa | 26.02.2018 | Sem comentários

Negócios de acadêmicos enfrentam a falta de experiência em gestão e a burocracia estatal para colocar produtos no mercado.

Criar uma empresa é sempre um desafio, mas para cientistas que passam anos desenvolvendo pesquisas, transformar os estudos em negócio é ainda mais complicado.

Por dependerem de longos testes até finalizar um produto e, depois, aguardar a aprovação de órgãos reguladores, além de nem sempre terem noções de gestão e marketing.

Ainda assim, é uma área que pode resultar em bons negócios, além de trazer melhorias para a população, e atrair a comunidade acadêmica para esse tipo de negócio.

Tanto que dos 11 negócios selecionados pelo Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec).

Incubadora de base tecnológica, ligada ao Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), da Universidade de São Paulo, para serem impulsionados neste ano, 3 são desse segmento.

Uma delas, a Epistemic, criou um dispositivo que prevê crise epilética com 20 minutos de antecedência.

Engenheira elétrica, Paula Gomez, é uma das sócias da empresa.

“A pesquisa começou em 2010, pela física Hilda Cerdeira, minha mãe.”

Segundo Paula, até o meio deste ano a criação do produto mínimo viável, o protótipo, estará concluída e poderão ser iniciados os testes clínicos, que devem durar um ano e meio.

Para chegar ao mercado, será necessário obter certificação da Anvisa.

 

Lean Six Sigma

“Felizmente, certificar esse tipo de produto é mais rápido que medicamentos. Esperamos lançar dentro de três anos.”

Paula afirma que existe no mercado dispositivo semelhante.

A diferença é que o aviso é dado apenas ao cuidador e só no momento em que o paciente está sofrendo a crise.

O dispositivo da Epistemic é composto de dois eletrodos pequenos, presos à cabeça por meio de pressão e conectados a um hardware com conexão bluetooth.

Os sensores analisam os padrões das ondas cerebrais em tempo real. Quando há alteração, é disparado o alerta.

“Nosso objetivo é dar mais autonomia aos pacientes, para reduzir a demanda por cuidadores.

Com o nosso dispositivo, tanto ele quanto o cuidador saberão com 20 minutos de antecedência que haverá uma crise.

O paciente poderá se preparar e ir para um local seguro, para não se machucar, ou tomar remédio, quando for o caso.”

Paula também está em negociação para fazer testes no Canadá. “No mundo, 65 milhões de pessoas sofrem de epilepsia”, afirma.

O custo do produto irá variar entre R$ 2 mil e R$ 3 mil.

Doutora em ciências pela USP e CEO da Limace Biotecnologia, Ana Rita de Toledo Piza desenvolve medicamento antiviral com origem em moluscos para tratar pessoas que tenham contraído zika.

A pesquisadora afirma que ainda não existe nenhum produto para combater a doença, assim como não há vacina para prevenir o contágio.

“O que hoje existe são medicamentos que já estão no mercado e combatem outras doenças, que estão sendo testados para tratar zika, mas nada oficializado.”

Desde 2002, Ana Rita trabalha na linha de pesquisa de produtos naturais provenientes de moluscos.

“No pós-doutorado, iniciado em 2013 e realizado no Instituto Butantã, consegui comprovar a ação antiviral dessas moléculas (provenientes de moluscos) em sarampo, herpes, rubéola e influenza.

O trabalho cientifico do sarampo já foi publicado e os demais estão em processo de publicação.”

Segundo ela, o financiamento da Fapesp foi fundamental para prosseguir com a pesquisa.

Além disso, afirma que o fato de estar incubada no Cietec facilita seu trabalho como empreendedora, por ter acesso a consultores de diversas áreas.

“Neste ano, vou validar o composto e iniciar os ensaios ‘in vitro’ para efetivar a sua ação. A segunda fase contará com experimento ‘in vivo’.

O produto final deve estar pronto dentro de três anos. Mas a chegada ao mercado depende de certificação da Anvisa.”

Ana Rita espera que o medicamento melhore a saúde pública no Brasil e ajude a controlar a doença, que é bastante agressiva.

“Também desejo atingir o mercado internacional, porque o problema está espalhado nos trópicos.”

Constituída em 2017, a Selenolife, do químico Marcos Archilha, desenvolve compostos orgânicos de selênio.

Micronutriente essencial para os seres vivos –, destinados à elaboração de alimentos biofortificados.

O cientista conta que o selênio é antioxidante e ajuda a controlar células tumorais.

Tem papel primordial em saúde vascular, fertilidade, inibição de moléculas de câncer e regulação metabólica associada à tireoide.

De acordo com o químico, os compostos de selênio poderão ser incorporados aos fertilizantes de frutas e vegetais e à ração animal.

“Ao ingerir esses alimentos, os humanos terão a dose diária necessária ao organismo e à boa saúde.”

Archilha estima que dentro de dois anos o composto poderá ser incorporado à ração animal.

“A biofortificação de plantas deve demorar um pouco mais, por exigir mais testes por conta da interferência das condições climáticas”, explica.

Lean Six Sigma

‘Mercado é muito regulado e as decisões são demoradas’

Professor da Unicamp e membro da coordenação adjunta de pesquisa e inovação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Sérgio Queiroz diz que a maior parte do conjunto de financiamentos da entidade têm a saúde como área mais importante.

Juntamente com projetos nas áreas de biologia, veterinária e agronegócio, que juntos concentram 50% dos recursos da instituição.

Segundo ele, em 2017 foram contratados 269 novos projetos, superando o recorde de 2016, quando foram selecionados 228 negócios.

“No total, ao longo do ano passado estavam em andamento 499 auxílios à pesquisa e bolsas do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE).

Juntos, eles receberam R$ 64,4 milhões, o que representa 16% mais que em 2016”, conta.

Queiroz afirma que a área de saúde tem uma base de ciência forte em São Paulo. “Agora, por que as oportunidades não se tornam negócios importantes?

Acho que o entrave maior não é a burocracia da Anvisa, mas a fragilidade do segmento de saúde no Brasil.

Somente agora nossa indústria farmacêutica começa a dar passos mais ousados na direção de pesquisas para se transformar em uma indústria de fato inovadora”, ressalta.

O professor acrescenta que não falta recurso para pesquisa.

“Além da Fapesp, temos a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), entre outros.”

Desafio

Diretor de apoio ao empreendedor da Endeavor Brasil, organização de apoio ao empreendedorismo de alto impacto.

Igor Piquet diz que empreender na área de ciência no Brasil é coisa para super-herói.

Segundo ele, para montar um negócio que cresça, o empreendedor deve ser resiliente para enfrentar cenário desafiador e superar barreiras econômicas, burocracia.

Acesso a capital, à inovação, a talentos e infraestrutura, principais determinantes que fazem o empreendedorismo de um país prosperar.

“Mas no mercado de saúde as barreiras são ainda mais significativas, porque é extremamente regulado, pois mexe com a vida das pessoas.

Temos regulação extremamente rigorosa e difícil de ser mudada. Não vejo a necessidade de reduzir os padrões, mas a velocidade que as decisões são tomadas.”

Piquet afirma que não existe ninguém lutando pela redução desse critério que envolve a tomada de decisão dos órgãos regulatórios.

“Alguns empreendedores ficam décadas aguardando uma resposta.

A demora no retorno faz com que muitos desistam do negócio, ou um concorrente de outro país lança antes e ele perde participação no mercado.

Ou ainda, inicia de forma informal, o que é péssimo para economia”, diz.

O diretor conta que além da barreira regulatória, também é preciso enfrentar a cultura tradicionalista dos hospitais e médicos.

“Depois de passar pela primeira barreira, é preciso convencer médicos a usarem o produto.

Muitos médicos e hospitais preferem fazer do jeito que sempre fizeram.

Podem até estar abertos à mudança cientifica, mas não a modernização de serviços e uso de novas drogas e equipamentos.”

Fonte: Estadão – 26.02.2018.

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