Tecnologia

Os dois lados da telemedicina no Brasil

Por Redação GeHosp | 17.05.2019 | Sem comentários

Especialistas contra e a favor da resolução 2.227/2018 do CFM opinam sobre como devem ser conduzidas as mudanças tecnológicas e culturais proporcionadas pela prática da assistência remota.

telemedicina utiliza a tecnologia da informação, comunicação e dispositivos médicos para prestar assistência remota

Vários braços do conceito são adotados em diversas localidades brasileiras.

A legislação, porém, só permite que a prática ocorra quando há um profissional de Saúde em cada ponta – nunca entre o médico e o paciente.

A resolução data de 2002 e, sem atualização, é considerada um entrave para o avanço da Saúde Digital no País e, muitas vezes, responsável por barrar projetos de inovação.

Em fevereiro de 2019, o Conselho Federal de Medicina (CFM) fez uma tentativa de regulamentar a telemedicina, incluindo a teleconsulta, por meio da resolução 2.227/2018. 

A norma permitiria, entre outros modelos, a realização do atendimento online e direto ao paciente, sem intermediação de um profissional de Saúde.

A polêmica foi tanta que, 15 dias e 1.444 propostas de modificação depois, a resolução foi revogada. 

Conheça abaixo as opiniões de dois especialistas sobre o tema neste especial “Dois lados: telemedicina”: 

“A revogação foi um retrocesso”

Antonio Carlos Endrigo, diretor de tecnologia da informação da Associação Paulista de Medicina (APM)

Contexto: “A última resolução do CFM sobre telemedicina é muito antiga (de 2002) e, por isso, revogar a proposta apresentada em fevereiro foi um retrocesso.

São quase 20 anos sem uma atualização, período em que a tecnologia avançou muito e alterou profundamente a assistência em Saúde.

Uma pesquisa que fizemos na APM aponta que, hoje, 84,67% dos médicos utilizam ferramentas de TI em Saúde para observação do paciente e otimização do tempo de consulta.

E 91,51% dos 848 profissionais ouvidos acredita que o Brasil está atrás, em termos de incorporação de ferramentas digitais para medicina e Saúde, de países como Estados Unidos, Japão e Alemanha.”

Teleconsulta: “A possibilidade de contato online e direto entre médico e paciente foi o que mais causou polêmica, mas ela já ocorre em muitos lugares do mundo, com bons resultados.

No Brasil, a telemedicina tem potencial para ampliar o acesso aos serviços de Saúde. Pessoas que estão distantes, onde não tem médicos, em localidades que só se acessa por barco, poderiam receber orientação e assistência.

Mas claro que nosso modelo precisa ser diferente do adotado nos Estados Unidos, ou mesmo em países da Europa.

Somos latinos, temos a cultura do toque.

Então, acredito que um modelo que poderia funcionar bem seria manter a primeira consulta presencial e concentrar os retornos pela telemedicina. Seria uma forma de agilizar, diminuir filas.

Pacientes crônicos também poderiam fazer o acompanhamento com seu médico via modelos remotos de Saúde. Mas, no caso de urgências e emergências, a teleconsulta também pode funcionar bem.

Quando o paciente corre risco de morte, ou quando está em sofrimento intenso, pode receber o primeiro atendimento e orientação via telemedicina, enquanto é encaminhado para o serviço de saúde, por exemplo.”

Adequação: “Mas um ponto importante é que as organizações de Saúde brasileiras precisam se preparar.

Elas não estão prontas para esse novo modelo. Uma das obrigatoriedades da resolução é que a instituição tenha prontuário eletrônico – e sabemos que muitas não têm.

Também vamos precisar mudar a formação médica. Os profissionais terão de ser capazes de diagnosticar com essa limitação.

Por isso mesmo, acredito que a telemedicina é mais indicada para aqueles que têm mais experiência, porque ele vai conseguir chegar ao diagnóstico com um número menor de informações.”

“Temos que debater a telemedicina com cuidado”

Marcelo Foaud Rabahi, autor do livro “A meta da humanização” e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás

Contexto “Eu entendo que a normatização de algumas práticas de telemedicina são urgentes, até porque elas já vêm acontecendo: telediagnóstico, avaliações a distância de exames complementares, entre outras.

Precisamos ter uma definição clara de como essas práticas devem ser feitas, quem deve fazer, quais os critérios e, principalmente, a qualidade do recurso diagnóstico para o paciente.”

Modelos: “No Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, deveria ser incentivada a prática de um médico não especialista que assiste um cidadão em um local sem acesso à especialidade poder contar com a opinião de um especialista em um caso clínico de difícil interpretação.

Na Universidade Federal de Goiás temos um canal de telessaúde para prestar esse tipo de serviço a municípios distantes da capital Goiânia – e funciona muito bem, desde que feito somente entre profissionais de Saúde.

Outro modelo que deve ser estimulado, mas que tem uma complexidade maior, são as consultas multidisciplinares, que evitam, entre outros fatores, a repetição de exames que geram custo e, muitas vezes, são invasivos.

Por exemplo, tenho um paciente no interior de Minas Gerais que fez uma biópsia do tecido que gerou dúvidas no patologista de lá.

Esse exame pode ser avaliado por uma junta médica, por meio de tecnologias remotas, e evitar que precise ser refeito.

Também acredito na prática de programas de educação continuada, que já existem e precisam de regulamentação.

Mas tudo dentro do contexto entre profissionais de Saúde.”

Teleconsulta: “Entre médico e paciente, a prática da telemedicina é muito temerária. Sem o contato físico e uma avaliação próxima, é muito difícil construir uma relação de confiança e proximidade.

Quando um paciente procura um médico, ele não quer só uma cura, uma solução. Ele quer atenção especial para o seu caso.

Ao longo dos meus 30 anos como médico, docente, escritor e palestrante, entendo que esse contato próximo com o paciente a máquina não pode substituir.

Portanto, temos que debater a telemedicina com muito cuidado no Brasil. Até porque ela requer uma ética apurada e também uma transformação na formação médica.

O melhor modelo, na minha opinião, seria o de reavaliação dos casos, com discussão focada somente entre profissionais de Saúde.

Seria o que, para o perfil do sistema de Saúde brasileiro, nos traria mais benefícios – tanto para as organizações quanto para os pacientes.”

Fonte: MV-Sistema de Gestão de Saúde – 17.05.2019.

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