Gestão

Ministro propõe planos baratos para reduzir demanda no SUS

Por Roberta Massa | 07.07.2016 | Sem comentários

Segundo Ricardo Barros, ampliação do setor suplementar diminuiria pressão no sistema e necessidade de investimentos públicos

O ministro da Saúde, Ricardo Barros, defendeu nesta quarta-feira, 6, a criação de planos de saúde mais baratos, mas com menos serviços de atendimento obrigatórios. Para ele, a estratégia pode ajudar a ampliar o número de usuários de convênios, reduzir a demanda do Sistema Único de Saúde (SUS) e, consequentemente, dar maior folga de recursos para financiar o atendimento público. “Isso renderia mais conforto para a população que quer um plano de saúde e não pode arcar com os custos”, disse.

Barros anunciou a proposta durante audiência pública no Senado. A equipe do ministério prepara um plano que ainda não tem prazo para ser entregue à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). De acordo com ele, não há ainda uma estimativa de quantas pessoas poderiam migrar para a saúde suplementar incentivadas pelas baixas mensalidades. Ele também não detalhou se a mudança atingiria planos empresariais ou individuais.

Questionado se a medida não seria criticada por sanitaristas, que defendem uma melhora no sistema público, em vez de um incentivo para que a população migre para saúde suplementar, ele rebateu. “Estou ministro da Saúde, não ministro do Sistema Único de Saúde. O SUS é uma boa parte do que fazemos, mas não é só”, disse.

Barros argumentou que a ampliação do setor de saúde suplementar ajudaria a reduzir a pressão no sistema de saúde, sobretudo em um momento em que o País vive uma crise fiscal. “Eu trabalho com a realidade que temos no Brasil. O orçamento é finito. Não há recursos ilimitados.” O ministro disse que a ideia de cofinanciamento na saúde, em substituição ao acesso gratuito e universal, não está em seus planos. “Não estou propondo isso.” Apesar da negativa, ele deixou uma porta aberta. “O copagamento no SUS já existe, é o Farmácia Popular. Não fui eu que inventei e ele é bem-aceito”, disse. “O copagamento não é um paradigma.”

A qualidade dos serviços prestados pelos planos – um dos setores mais criticados pela população por descumprimento de contrato – não é considerada um problema pelo ministro. “A adesão dos planos é voluntária, ninguém fica obrigado. Não acho que esse seja um problema fundamental.”

Embora tenha admitido limitações no orçamento, durante a audiência Barros afirmou não ser o momento de se lutar por mais recursos públicos para o setor, mas de tentar aplicar a verba existente de melhor forma. Entre as propostas apresentadas, ele sugeriu melhorar o sistema de ressarcimento das operadoras de saúde para o SUS, uma espécie de reembolso feito pelas empresas quando o beneficiário do plano é atendido no sistema público.

Ilusão. O senador Humberto Costa (PT-PE) classificou de “ilusão” imaginar que a simples melhora no sistema de ressarcimento daria uma folga para os cofres públicos. “Não seria mais lógico pensar em uma mudança no sistema de renúncia fiscal para a saúde suplementar?”, questionou. Pelas contas do senador, o setor de saúde suplementar é beneficiado por uma renúncia fiscal que gira em torno de R$ 25 bilhões.

Para Barros, a medida não é simples. “É preciso ver que isso levaria a uma redução dos usuários de planos de saúde.” Movimento portanto inverso ao que o ministro quer provocar. “É fundamental para o Brasil o investimento da saúde privada. Não estamos aqui para fazer discurso ideológico, mas a prática da saúde como deve ser feita, atingindo maior número de pessoas, com maior qualidade possível. E quem pode contribuir para a saúde é muito bem-vindo.”

Modelo proposto é ‘velho sonho’ de operadoras de saúde

Esta não é a primeira vez que a sugestão de criar no País planos baratos com cobertura é feita dentro do governo. “Esse é um velho sonho de empresas de saúde. Ter uma regulação mais flexível, que permita ao setor a oferta de serviços mínimos e muitas bondades de governo, sobretudo renúncia fiscal”, afirma o professor da Universidade de São Paulo (USP) Mário Scheffer.

A primeira vez que a proposta veio à tona, disse, foi durante a discussão da lei que regulamenta os planos de saúde. “Não vingou na época. Mas depois disso o tema nunca mais saiu da agenda.” O retorno mais recente à pauta de debates ocorreu durante o governo da presidente afastada, Dilma Rousseff. Para ele, esse é o preço cobrado pelas empresas, conhecidas pela generosidade na doação de campanhas eleitorais.

A exemplo do que ocorreu em outras vezes, a proposta de Barros foi duramente criticada por especialistas na área. Para a advogada Renata Vilhena, especializada em saúde suplementar, a concretização da ideia levaria a um aumento de abusos cometidos por operadoras de saúde. Além disso, ampliaria os gastos do SUS, outro efeito inverso ao esperado pelo ministro.

Renata diz que regras mais flexíveis aumentam o risco de contratação de planos com cobertura insuficiente. “Não é fácil distinguir a qualidade de planos. Além disso, a população não tem poder de barganha. O resultado já se sabe qual será. Sem atendimento esperado, as pessoas vão recorrer ao SUS. Mais ainda do que já ocorre hoje.”

A advogada observa que atualmente planos de saúde já negam atendimento para procedimentos mais caros, mesmo previstos em lei. “É uma ilusão imaginar que planos desafogam a demanda na saúde pública”, garante. Para ela, o que aumentaria os recursos do SUS seria justamente o movimento inverso. Regras mais rígidas, fiscalização e punições eficientes na cobertura dos serviços. “Algo que hoje não ocorre.”

A professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Lígia Bahia vê na atitude do ministro um sinal verde para que empresas continuem a aumentar a carteira de clientes, sem se preocupar com o tipo de atendimento. “Não há milagre. De que adianta as pessoas contratarem um plano que não tem credenciados em número suficiente, clínicas ou hospitais?”

Ela lembra que usuários de planos de saúde já enfrentam esse problema. “Houve um aumento de usuários sem que a rede credenciada tivesse uma expansão proporcional. O resultado foi visto: longas filas de espera para marcar consultas, exames, cirurgias.” Hoje, o impacto dessa expansão desequilibrada foi reduzido com o desemprego. Para ela, as pessoas deixaram o mercado de trabalho e perderam os planos de saúde empresariais.

Fonte: Estadão-07.07.2016

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