Em 10 anos, triplica o total dos usuários de planos de saúde com coparticipação
Por Roberta Massa | 06.06.2018 | Sem comentáriosEstá no seu contracheque ou na fatura que chega a cada mês. Uma consulta saiu por taxa extra de R$ 35.
A ida ao pronto-socorro, por R$ 50 ou até 30% do valor total.
Cobrados à parte da mensalidade, valores como esses, maiores ou menores conforme cada contrato.
Têm sido mais comuns nas contas de quem usa planos de saúde.
Em pouco mais de uma década, o número de usuários de planos que dividem com o cliente.
Parte das despesas por atendimentos passou de 8,3 milhões, em 2007, para 24,7 milhões, neste ano.
É o caso, principalmente, de planos com coparticipação.
Modelo em que o usuário paga valor fixo ou percentual por cada atendimento, e de alguns com “franquia”.
Quando o plano não é obrigado a custear serviços até ser atingido determinado valor.
A expansão desses modelos tem ocorrido de tal forma que em janeiro.
O percentual de usuários de planos que cobram algum tipo de contrapartida pelo uso.
Superou pela primeira vez o de clientes que pagam apenas a mensalidade.
Segundo dados da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), que regula o setor.
Isso significa que, enquanto em 2007 o percentual de usuários desses planos era de 22%.
Agora o índice já alcança 52% – a maioria em planos com coparticipação.
Atualmente, cerca de um terço dos planos de saúde ofertados no país (32%) possuem mecanismos de coparticipação.
Dez anos antes, esse índice era de 22%.
Para a ANS e associações que representam as operadoras.
Essa mudança de mercado atende a demanda de empresas que custeiam planos de saúde aos funcionários.
Isso porque planos com coparticipação, além de dividir os custos com o usuário.
Costumam ter mensalidade 20% menor, diz o diretor de desenvolvimento setorial da agência, Rodrigo Aguiar.
“Com isso, temos mitigação na escalada de custos, e isso evita reajustes mais altos”, afirma.
Hoje, 36% dos planos coletivos empresariais têm cobrança de coparticipação ou franquia.
Nos coletivos por adesão e individuais, esse percentual é de 35% e 26%.
Outro fator que explica essa mudança é tentativa das operadoras de cortar gastos.
Em contexto de queda no número de usuários nos últimos anos e reclamações no setor sobre o volume de consultas e exames repetidos, por exemplo.
“Se a operadora pudesse repassar todo custo que tem, ficaria indiferente.
Mas, quando pede reajuste, percebemos que há reclamação.
A coparticipação permite que os custos cresçam menos”, afirma José Cechin, diretor-executivo da FenaSaúde.
Que representa as maiores operadoras. Já para a pesquisadora do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) Ana Carolina Navarrete.
O usuário precisa tomar cuidado ao aderir a esses modelos.
“A franquia e a coparticipação retiram a previsibilidade de quando se paga por mês.
Mesmo que pague mensalidade mais baixa, você pode não saber quanto vai pagar.
Para idosos e doentes crônicos, esse tipo de plano vai sair mais caro”, afirma.
Agora, a ANS se prepara para aprovar, ainda neste semestre, novas regras para oferta desse tipo de plano.
A justificativa está nas regras atuais, tidas como “genéricas”.
“Queremos estabelecer regras e limites mais claros para garantir previsibilidade”, diz Aguiar.
As medidas, porém, têm dividido entidades do setor.
Para quem as medidas podem trazer nova expansão do modelo e aumento dos valores pagos pelo consumidor.
Uma das propostas é a definição de limites a serem pagos como taxa de coparticipação e franquia.
O que não ocorre pela regra em vigor, de 1998.
Inicialmente, a proposta da agência previa coparticipação de até 40% do valor do procedimento.
A medida gerou críticas pelo impacto ao usuário.
“O que se fala em coparticipação não é trazer mais clareza, mas aumento do limite”, diz Navarrete, do Idec.
Agora, a agência já analisa a possibilidade de reduzir esse valor para 30%, semelhante ao já aplicado no mercado.
Em contrapartida, porém, versão da minuta mais atual do projeto prevê que esse limite.
Possa ter aumento de até 50% em caso de acordos coletivos e convenções trabalhistas.
Já no caso da franquia, a proposta prevê que o valor pago seja equivalente ao total mensal e anual da mensalidade.
Com isso, se a mensalidade for de R$ 200, o plano ficaria isento de custear procedimentos até atingir R$ 2.400 naquele ano.
Já o usuário não poderia pagar valores maiores que R$ 200 por mês (uma cobrança de R$ 400, porém, poderia ser dividida em dois meses).
A exceção valeria para alguns procedimentos preventivos.
Como até quatro consultas com médicos generalistas e alguns tratamentos de doenças crônicas.
Para Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP.
A nova regra representa uma tentativa do setor de dar impulso a planos mais baratos e com menor cobertura.
Caso das novas regras de franquia, mecanismo que hoje abrange 7% dos usuários.
“São planos que parecem que cabem no bolso, mas, a cada utilização, vai ter problemas.
Se a pessoa já busca um plano mais barato, é porque pode não ter como pagar.”
Outro problema, diz, é o risco de restringir o acesso e atrasar diagnósticos.
Ou, ainda, de aumentar o custo para doentes crônicos.
Foi o que ocorreu com o empresário Marcos Costa, 64.
Em 2009, ele decidiu trocar o plano de saúde: de um plano individual, passou a pagar por um coletivo empresarial.
No período, descobriu um câncer de próstata.
E aí começou o desafio.
O primeiro foi buscar atendimento em outra cidade, o que foi negado.
Tempo depois, recebeu cobrança de R$ 4.500 como coparticipação.
Sem saída, acabou por recorrer à Justiça.
Hoje, mantém o tratamento sob força de liminares –as quais também acabam por impedir a cobrança extra.
“Se fossem me cobrar, teria uma despesa de R$ 5 mil por mês com a radioterapia.
Nenhum cidadão de classe média aguenta pagar coparticipação dessa.”
Na mira das novas propostas, representantes das operadoras de planos.
Afirmam serem favoráveis à atualização das regras como forma de aumentar as opções de escolha do consumidor.
Mas questionam os limites em discussão.
“Quanto mais alta a franquia, menor a mensalidade.
Se a questão é de escolha das pessoas, porque impedi-las de escolher uma franquia muito alta para ter mensalidade mais baixa?”, pergunta José Cechin, da FenaSaúde.
Para ele, valores de coparticipação também poderiam ser revistos.
“Hoje aceita até 30% de coparticipação.
Achamos que poderia ir além”, diz ele, para quem a concorrência pode colocar limites à oferta.
Mesma avaliação tem Reinaldo Scheibe, da Abramge.
Para quem mesmo tratamentos de doenças crônicas poderiam ter cobrança de coparticipação, “mas menor”.
“Tudo que é regulado demais, acaba prejudicando.
Defendo que isso tudo esteja claro no contrato”, diz.
Como funcionam os planos de saúde com contrapartida
O que são: Gastos com atendimentos são divididos com o usuário;
Objetivo é diminuir custos e evitar o uso sem necessidade
Modelos
Coparticipação: Além da mensalidade, o usuário paga à operadora uma parte do custo de cada consulta, exame ou procedimento realizado.
A cobrança pode ser por valor fixado ou por percentual
Franquia: Em adição à mensalidade, o usuário paga por atendimentos e serviços até atingir determinado valor; a partir daí, outras despesas são custeadas pela operadora.
É pouco comum no Brasil
Fonte: Folhapress Brasília – 06.06.2018.