Judicialização

Erro médico provoca sequelas e disparada de processos na Justiça

Por Roberta Massa | 15.08.2016 | Sem comentários

O que a aposentada Marina Souza, 86, buscava era uma cirurgia plástica corriqueira para a retirada do excesso de pele nas pálpebras. Mas ela acabou indo para casa com sequelas irreparáveis nas mucosas do nariz e nos lábios –hoje tem que respirar apenas de boca aberta.

“Era para eu sair [do hospital] no mesmo dia e tive que ficar mais de uma semana [internada]”, conta Marina, que teve seu rosto queimado por um aparelho na operação.

A aposentada foi vítima de um problema que desperta cada vez mais queixas na Justiça e no setor de saúde.

Nos últimos anos, houve crescimento de processos e reclamações por erros médicos identificado pela Folha em pelo menos três esferas diferentes –no Tribunal de Justiça de São Paulo, no Superior Tribunal de Justiça e no Conselho Regional de Medicina.

Os casos que vão ao STJ após recurso em instância inferior subiram 82% de 2010 a 2015, ano com 474 ações. Em 2016, já são 351 até julho.

No TJ paulista, os processos por erros médicos subiram 19% no ano passado em relação a 2014 –e já beiram quatro por dia. No Cremesp, que analisa eventuais sanções aos médicos, a alta foi de 22%.

No caso da aposentada Marina, a Justiça determinou uma indenização de R$ 20 mil.

Os erros médicos são atribuídos por especialistas a uma série de fatores –que vão da formação deficiente em faculdades à falta de fiscalização em procedimentos feitos por clínicas e hospitais.

Especialistas atribuem esse aumento de reclamações e processos à maior exposição do assunto, que incentiva vítimas a buscarem reparações.

Gravidez e Morte

Uma ação que chegou ao STJ, em Brasília, foi resultado da morte de Aparecida Kuriyama, em 1998, aos 34 anos, após hemorragia interna.

Ela teve gravidez ectópica –quando um óvulo fecundado se implanta fora do útero, sem chances de sobrevivência. Correndo risco de vida, teve que fazer tratamento com medicamento usado para quimioterapia. A dose aplicada, no entanto, foi excessiva. Aparecida deixou seu marido e um filho, Diogo Kuriyama, com 6 anos na época.

Depois do reconhecimento do erro médico, houve acordo inicial com a maternidade para que fosse paga uma indenização de R$ 20 mil ao pai e igual valor ao garoto, que só receberia a quantia ao completar 18 anos.

O processo foi reaberto após a Promotoria considerar o valor insuficiente. Em fase final no STJ, Diogo reivindica agora mais de 50 vezes a indenização original.

“Amor de mãe dinheiro nenhum paga”, afirma ele, que completa 24 anos neste domingo (14) e trabalha como cabeleireiro em São Paulo.

“Se ela estivesse viva, eu estaria me formando na faculdade. Queria estudar medicina. Não tive minha mãe para me criar”, diz.

Neste Dia dos Pais, a filha dele, Isabella, também faz aniversário, de dois anos. “É uma data bem gostosa para mim. Mas seria mais gostosa se a avó estivesse aqui para comemorar com a neta.”

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Negligência

“Antigamente tinha-se a ideia de que qualquer coisa que ocorresse seria uma fatalidade. Em muitos casos, houve imperícia ou negligência”, afirma Alexandre Jubran, advogado de um escritório especializado em saúde.

Ademar Gomes, presidente da Associação dos Advogados Criminalistas de SP, diz haver “maior procura da população por seus direitos”. “[O erro] não deveria ser considerado culposo [sem intenção], mas como dolo eventual [quando se assume um risco], por causa da imprudência.”

Segurança

erro

Para minimizar os erros que deixam sequelas em pacientes, profissionais da área defendem medidas que incluem ações básicas de higiene, avaliação de estudantes de medicina e certificações e protocolos comparados aos de pilotos de avião.

Segundo Aline Yuri Chibana, presidente da Fundação para Segurança do Paciente, erros médicos costumam ser resultado de várias falhas no atendimento médico. “A acreditação das instituições e a adoção de checklists melhoram os processos nos hospitais. É preciso trabalhar mais a cultura de segurança e sair da cultura punitiva.”

Como exemplo, ela cita um simples lavar de mãos, não apenas da equipe médica, mas mesmo de visitantes, ou a identificação de pacientes, para evitar, por exemplo, a troca de medicamentos.

“São medidas extremamente simples, mas de grande impacto”, diz Chibana, que é diretora de qualidade do hospital A. C. Camargo.

A Fehoesp (Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo) tem trabalhado para capacitar os estabelecimentos a obter um selo de qualidade da ONA (Organização Nacional de Acreditação). Para conseguir a certificação, os estabelecimentos têm que adotar uma série de protocolos de gestão de qualidade.

Para Yussif Ali Mere Júnior, presidente da Fehoesp, trata-se de processo semelhante ao adotado por pilotos de avião. “Antes de fazer a decolagem o piloto checa e recheca tudo. Se tiver algo falhando, você sabe qual é o risco.”

Em 2013, a Anvisa publicou uma resolução determinando que todos os serviços de saúde no país estabelecessem núcleos de segurança do paciente, com planos que determinassem ações de gestão de risco. Foram estipulados quatro meses para que todos os 8.500 estabelecimentos cadastrados se adequassem. Até julho, apenas 1.277 haviam criado seus núcleos.

Tanto Chibana quanto Ali Mere concordam que uma avaliação dos recém-formados em medicina ajudaria a evitar erros. “Mas deve ir muito além do que se faz na OAB. Não pode ser um exame só escrito, tem que ser prático”, diz Ali Mere. Proposta do tipo chegou a ser feita pelo Ministério da Educação, mas está sendo revista na gestão Temer (PMDB).

Fonte: Folha de São Paulo-15.08.2016.

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