Opinião

Hospital, alegria de inaugurar, tristeza para manter e parcos resultados nos perfis de saúde

Por Roberta Massa | 28.03.2017 | Sem comentários

Há muitos anos, a saúde aparece sempre nos primeiros lugares na preocupação dos brasileiros.

O hospital é uma unidade emblemática para a saúde, com grande aceitação popular e, portanto, fetiche político, próprio para consumo e promessas.

Gestores públicos, ao longo dos anos, construíram com recursos próprios ou com financiamento de outras esferas de governo, unidades deste tipo, sem adequado planejamento prévio.

Alegria de inaugurar, tristeza para manter e parcos resultados nos perfis de saúde.

Em pouco tempo, prefeitos e até governadores descobrem que esta unidade é caríssima e muito difícil de gerir em nosso meio, em especial durante as crises econômicas.

A proporção de leitos hospitalares pela população tem diminuído na maior parte do mundo desenvolvido.

Os avanços tecnológicos, novas drogas, procedimentos e técnicas reduzem fortemente a permanência hospitalar permitindo melhor aproveitamento (giro) dos leitos existentes.

A constatação de que a assistência hospitalar tem custos fixos elevados e riscos aos pacientes estimulou a busca de alternativas de atendimento mais eficientes e seguras, como hospitais dia, cirurgias ambulatoriais, atendimentos domiciliares, unidades de retaguarda para crônicos (adequadas aos cuidados que exigem) e melhoria da cobertura e qualidade da atenção primária em saúde.

Em certas especialidades específicas, como a saúde mental, a internação passou a ser vista como exceção e não a regra, na busca de melhor saúde.

O tratamento adequado de condições crônicas na atenção primária pode reduzir a necessidade de internações e garantir melhores níveis de saúde.

O sistema de saúde eficiente deve conformar uma rede, com vários tipos de unidades de saúde, entre as quais o hospital deve ser usado com a maior parcimônia, preferencialmente segundo protocolos técnicos,  que evitem desperdícios de recursos e garantam o acesso, quando imprescindível.

É evidente que a necessidade de leitos hospitalares está diretamente relacionada à situação social e de saúde, bem como ao modelo assistencial desenvolvido em cada região.

As estatísticas dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) demonstram grandes diferenças na relação de leitos/mil habitantes, mesmo em países com ótima cobertura assistencial e níveis de saúde invejáveis, a grande maioria com redução na última década.

Altas proporções de leitos indicam hospitais utilizados também para pacientes crônicos, com longas permanências.

É por isto que se torna praticamente inviável estabelecer um “parâmetro ideal” de leitos/mil habitantes para o mundo, como o índice da Organização Mundial de Saúde de 3 a 5 leitos para cada mil habitantes, por vezes, citado na imprensa brasileira.

Não encontramos nenhum documento técnico recente confirmando tal parâmetro, que não poderia ser o mesmo ao longo do tempo e tampouco útil, se não houver qualificação do tipo de instituição hospitalar (ou leito) de que se trata.

Em relação aos hospitais, até certo ponto, tamanho é documento. Com mais de 200 leitos os serviços têm melhor economicidade e eficiência.

O volume de casos atendidos regularmente impacta a qualidade do atendimento, pois a equipe técnica pode ganhar experiência e corrigir condutas, obtendo melhores resultados em muitos tipos de procedimentos hospitalares  comuns e especializados.

Não se trata apenas de criar leitos, mas sim serviços com competência para atender as necessidades existentes, o que nem sempre acontece em nosso país.

Frequentes no Brasil, hospitais pequenos são herança histórica (tradicionais Santas Casas) relacionada à enorme proporção de municípios com dimensões demográficas reduzidas.

Estes serviços têm dificuldades em manter equipe médica e de pessoal capacitada e, não possuem movimento adequado para garantir o custeio ou a qualidade.

Desentendimentos políticos ou pessoais entre a prefeitura e a direção do hospital fazem alguns municípios criarem um segundo hospital, aumentando a dimensão da catástrofe gerencial, com gastos pouco eficientes e prejuízo de outras ações de saúde que poderiam melhorar os indicadores locais de saúde.

Hospitais maiores procedem a ampliações estruturais inadequadas sem atentar para sua vocação, as necessidades regionais e a existência de outros serviços semelhantes, resultando em baixa produtividade, aumento de custos e redução da qualidade, inclusive péssimos indicadores de mortalidade.

Hospitais da administração direta ou indireta do setor público com sérios problemas de gestão apresentam dificuldades de reposição de pessoal, de insumos, de manutenção de equipamentos ou coisa semelhante, com ociosidade de suas instalações.

Trata-se assim do inferno brasileiro: simultaneamente leitos ociosos e falta de leitos para casos graves, complexos e de urgência, pronto socorros hospitalares lotados com casos de baixa complexidade que seriam mais bem atendidos em outras unidades, baixa eficiência e alto risco de erros e problemas.

Antes de se inaugurar um hospital, deve-se avaliar e aperfeiçoar a rede existente, investir em unidades básicas de saúde e outros tipos de unidades, melhorar a qualidade e a produtividade dos serviços existentes, instituir melhor regulação (atender as pessoas no local adequado às suas necessidades), facilitar a troca de informações e incentivar a referência e contrarreferência adequada de casos entre as unidades, reforçar hospitais de referência regionais, transformar unidades pequenas para outros serviços, associar esforços entre municípios para melhor uso do parco recurso existente.

Não há número mágico de leitos a ser atingido: cada situação regional precisa ser bem avaliada e estudada, caso contrário, o fetiche de criar hospitais, longe de gratificar, frequentemente termina em decepção.

*José Dínio Vaz Mendes e Olímpio J. Nogueira V. Bittar são médicos especialistas em saúde pública.

Fonte: Valor Econômico-28.03.2017.

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