Medicamentos

Livro revela fraudes em genéricos importados da Índia e da China

Por Redação GeHosp | 05.06.2019 | Sem comentários

Um livro lançado no mês passado nos Estados Unidos caiu como uma bomba no setor farmacêutico. “Bottle of lies: The Inside Story of Generic Drug Boom”, ou “Garrafa de Mentiras: A História Interna do Boom das Drogas Genéricas”, numa tradução literal, da jornalista investigativa Katherine Eban, coloca em dúvida a qualidade e a segurança dos medicamentos genéricos fabricados na Índia e na China, que hoje abastecem grande parte do mercado dos Estados Unidos. 

O livro foi tema de um artigo recente publicado no New York Times intitulado “Os americanos precisam de medicamentos genéricos, mas eles podem confiar neles?”. A obra traz uma visão aterrorizante sobre as condições inseguras e generalizadas em muitos laboratórios e fábricas indianas e chinesas.

Uma das fontes da autora foi um ex-inspetor da agência reguladora dos EUA, a FDA (Food and Drug Administration), Peter Baker. Ele descobriu várias das fraudes ao adotar uma prática inacreditavelmente incomum da agência em relação às vistorias no exterior: simplesmente se recusou a anunciar com antecedência as inspeções de laboratórios que faria nesses países.

De 2012 a 2018, Baker descobriu “fraudes ou práticas enganosas em quase 80% das fábricas de drogas que ele inspecionou” na Índia e na China, segundo o livro. Em uma fábrica de Wockhardt, na Índia, Baker pegou a empresa liberando frascos de insulina contendo fragmentos metálicos de uma máquina de esterilização defeituosa. As drogas abasteciam o mercado da Índia e o exterior.

Segundo Eban, “[Baker] descobriu que a empresa estava usando o mesmo equipamento defeituoso para fabricar um medicamento cardíaco injetável estéril para o mercado americano”. Dois meses depois, o FDA proibiu as importações daquela fábrica.

“Em alguns casos, fraudes e outras práticas contribuíram para que medicamentos genéricos com impurezas tóxicas, ingredientes não aprovados e partículas perigosas, chegassem aos pacientes americanos”, diz outro trecho do livro. 

Isso não chega a ser uma novidade. Entre 2007 e 2008, pelo menos 81 pacientes americanos morreram em hospitais depois de receberem heparina, um anticoagulante que continha um ingrediente contaminado fornecido por uma fábrica chinesa contratada pela Baxter, o principal fornecedor americano.

O FDA nunca tinha inspecionado essa fábrica. Alguém, ao que parece, tinha intencionalmente adicionado um produto químico para aumentar o rendimento e a lucratividade do medicamento.

Segundo Eban, quase 40% de todos os medicamentos genéricos vendidos nos EUA são fabricados na Índia. E 80% dos ingredientes ativos dos medicamentos de marca também são importados. A maioria…da Índia e da China. “A América não faz mais nenhum dos seus próprios antibióticos”, diz ela.

A terceirização da produção de medicamentos ou de insumos para países estrangeiros apresenta grandes desafios para as autoridades mundiais de saúde pública

Se por um lado, isso possibilitou o barateamento dos medicamentos e um maior acesso pela população, por outro, conforme revela o livro, se transformou numa grande ameaça à segurança do consumidor. Uma questão de segurança nacional. 

Como de praxe, a FDA garante que suas inspeções são confiáveis e que fiscaliza todas as instalações de fábricas de medicamentos de marca e de genéricos que fornecem produtos para o mercado dos EUA. Mas a agência está sendo pressionada pelo Congresso americano a dar mais explicações sobre essas denúncias.

Por exemplo: por quê ainda permite a pré-divulgação da grande maioria de suas inspeções estrangeiras? Eban relata que os investigadores da FDA são tratados como “convidados da empresa e concordam com uma data de inspeção com antecedência” (…) “Os funcionários da fábrica serviram como anfitriões e ajudaram a organizar as viagens locais”.

Segundo a jornalista, a FDA regula bem a indústria norte-americana, fazendo visitas surpresa para inspecionar as salas de produção e testes e verificando exaustivamente os registros. Mas “fracassou espetacularmente nas fábricas indianas e chinesas que, a partir da década de 1980, passaram a produzir e exportar cada vez mais genéricos para os EUA e outros mercados internacionais”.

O lançamento do livro ocorre em um momento em que a FDA  divulgou sua própria atualização sobre o estado da qualidade farmacêutica, segundo a qual a qualidade das drogas nas fábricas da Índia e da China ficou abaixo da média mundial. 

Autoridades da FDA dizem que isso ocorreu porque as inspeções se tornaram mais robustas e descobriram problemas.

Até agora, porém, há um silêncio generalizado no setor farmacêutico sobre o livro de Katherine Eban.  Seria ótimo uma manifestação dos laboratórios que importam matéria-prima ou medicamentos desses países ou das nossas autoridades sanitárias sobre a origem dos produtos que estamos consumindo. Tem alguma empresa acusada de fraude citada no livro? 

A exemplo dos EUA, também é grande a dependência brasileira em relação à importação de princípios ativos para a fabricação de medicamento e a maioria vem justamente de países como a Índia e a China. Em relação aos medicamentos, cerca de 20% são importados desses países, segundo dados da SECEX (Secretaria do Comércio Exterior).

Não estou colocando em dúvida a segurança e a qualidade dos medicamentos comercializados no Brasil (sejam eles genéricos ou de marca, já que muitas multinacionais usam insumos desses países para fabricar seus medicamentos originais). Os genéricos respondem por 65% do total de caixas vendidas no país. Foram e são fundamentais para a melhoria de vários indicadores de saúde nesses últimos 20 anos de sua existência.

Mas estou convicta de que as denúncias muito bem fundamentadas de Katherine Eban não podem passar em branco. Nem dos EUA e nem aqui no Brasil. Nós, consumidores, precisamos ter a certeza de que podemos confiar na qualidade e na segurança dos medicamentos que estamos usando, que fiscalizações das agências reguladoras estão ocorrendo rotineiramente (e sem aviso prévio) e que as empresas que cometem ou cometeram fraudes estão sendo punidas ou banidas do mercado.

Fonte: Folha de São Paulo – 05.06.2019

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