Saúde

Gasto de saúde sobe além do mínimo e ameaça verba municipal de educação

Por Redação GeHosp | 25.11.2019 | Sem comentários

Os gastos municipais em saúde superam por margem considerável o mínimo obrigatório por lei nas capitais do país. Já em educação, as despesas ficam muito próximas do piso determinado pela Constituição.

Para especialistas, o quadro sugere que o ensino público deve perder recursos para o SUS caso seja aprovado no Congresso o pacote de medidas econômicas proposto pelo ministro Paulo Guedes (Economia).

Atualmente, a legislação determina que municípios gastem 15% da receita em saúde e 25% em educação. No caso dos estados, 12% e 25%, respectivamente.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da gestão Bolsonaro prevê que estados e prefeituras possam deduzir da fatia da educação o valor que exceder o mínimo em saúde. Assim, a única obrigação será que a destinação das duas áreas, em conjunto, some ao menos 40% no caso dos municípios e 37% no dos estados.

O governo argumenta que, dessa forma, o gestor terá maior flexibilidade para administrar o Orçamento de acordo com o perfil etário da população. A redação da PEC, porém, só permite que as despesas em saúde avancem sobre as da educação, não o contrário.

Para verificar como os municípios têm investido nos dois setores, a Folha mapeou as despesas das prefeituras das capitais do país em 2018 compiladas pelos sistemas de informação dos ministérios da Educação e da Saúde.

O resultado mostra que o gasto delas em saúde é, em média, de 21,6%, superando em mais de um terço o mínimo constitucional de 15%. Já em educação, o investimento médio é de 25,8%, perto do mínimo de 25%.

A carga do financiamento do SUS sobre os municípios tem aumentado nos últimos anos devido à queda na participação federal no setor e à pressão de fatores como o envelhecimento populacional e a judicialização de medicamentos e tratamentos médicos.

Em 2002, a União bancava 52% dos gastos do SUS, e os municípios, 26%. Em 2017, essa proporção passou a ser de 43% e 31%. Segundo o dado mais recente, também de 2017, a média de dispêndio em saúde de todos os municípios do país é de 24% da receita. Os números foram compilados nos sistemas orçamentários pelo Conasems (conselho dos secretários municipais do setor).

No caso da educação, não há um cálculo disponível para a média de todos os municípios.

Se a PEC de Guedes for aprovada, entidades e especialistas em políticas públicas avaliam que a área deve perder recursos em grande parte por uma questão de apelo político: uma doença gera uma demanda urgente para a população; já uma formação educacional precária é um problema que não se sente de forma imediata.

“Educação gera menos voto porque tem efeito mais de médio e longo prazo. Já saúde tem uma percepção mais rápida. É basicamente uma escolha entre viver e estudar”, afirma o cientista político Fernando Abrucio, chefe do departamento de gestão pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Em sua avaliação, se a PEC for aprovada, os cortes deverão recair principalmente sobre despesas de custeio e investimento, usadas em ações como construção e reforma de escolas e distribuição de merenda e material escolar.

A consequência, diz, vai ser um aumento da desigualdade, uma vez que o Brasil é um dos países em que a formação tem maior peso na renda futura.

Procuradora do Ministério Público de Contas do estado de São Paulo, Élida Graziane Pinto concorda e avalia que a medida não necessariamente irá melhorar os serviços de saúde, já que prefeitos muitas vezes preferem gastar a verba em inaugurações de unidades de saúde, que geram foto, do que investir em estratégias notadamente eficazes como a de saúde da família.

Recentemente, estudo do Banco Mundial mostrou que mais da metade dos hospitais de do país têm menos de 50 leitos, quando o parâmetro de eficiência é de 250.

Mais grave ainda, afirma ela, será se o Congresso permitir a inclusão de servidores inativos no cômputo de gastos, como o relator da PEC, senador Marcio Bittar (MDB-AC), já anunciou que pretende fazer.

O expediente é usado por governos como os de São Paulo, sob gestão João Doria (PSDB), e prefeituras como as de Porto Alegre, gerida por Nelson Marchezan Jr (PSDB).

Esse é o principal fator pelo qual o Siope, sistema orçamentário do MEC, considera que a capital gaúcha não gasta o mínimo obrigatório na área.

Favorável à proposta de Guedes, o economista André Marques, coordenador do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper, também avalia que a medida, se aprovada, deve reduzir o investimento em educação.

“O fato de as capitais já gastarem um percentual muito próximo do mínimo mostra que elas estão gastando para cumprir o piso” diz. 

Em sua opinião, porém, a perda de recursos não deve ter grande impacto porque o país tem cada vez menos crianças em idade escolar e porque há espaço para melhorar a eficiência de gestão na área.

Os gastos do Brasil em educação em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) são similares aos dos países desenvolvidos, em alguns casos até superiores. O valor por estudante, porém, não chega à metade. Na saúde, a disparidade é maior. O país despende no setor 3,9% do PIB, enquanto países com sistema universal como Canadá e Reino Unido superam os 7%.

A possibilidade de a transição demográfica amenizar o impacto da redução de recursos para ações educacionais é contestada por Abrucio. “A mudança demográfica acontece ao longo de vários anos, ao passo que uma mudança na Constituição tem impacto já no ano seguinte”, diz.

Ele avalia também que o menor número de alunos poderia abrir espaço para o país recuperar o gasto em valores que estão defasados, como os dos salários dos professores.

Os vencimentos dos educadores brasileiros não chegam a metade dos pagos nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), segundo levantamento feito pela organização, que converte os valores para o mesmo poder de compra.

A PEC traz ainda incertezas sobre o Fundeb, fundo de financiamento do ensino básico que responde por 40% dos valores gastos na área e vence em 2020. Ele é composto por recursos federais, estaduais e municipais.

Essa é uma das preocupações da Undime, entidade dos secretários municipais de educação que ainda estuda a proposta, assim como o Conasems, dos titulares da saúde.

Diretor de estratégia política do movimento Todos pela Educação, João Marcelo Borges afirma que o Congresso deveria ao menos elaborar uma regra de transição, com prazo de carência, para que a mudança, se aprovada, não gere impacto imediato no planejamento das secretarias de educação. Ele lembrou também que o país ainda precisa aumentar a cobertura das matrículas no ensino médio e na creche.

Borges lamenta o que chama de oportunidade perdida. “O pacto federativo despreza a educação e, quando lembra dela, a põe em risco.”


Fonte
: Folha – 25.11.2019.

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